A “epopéia” que traz como enredo o conflito de terras envolvendo a comunidade quilombola Rio dos Macacos e a Marinha do Brasil, que já dura cerca de cinco décadas, na Região Metropolitana de Salvador, recebeu novos contornos depois que, em artigo publicado na edição do último dia 11 de janeiro, no jornal A Tarde, o vice-almiranteAntônio Fernando Monteiro Dias, comandante do 2º Distrito Naval, afirma revelar o que chamou de “A verdade sobre o Rio dos Macacos”, título que deu ao seu texto, no qual tenta dar a versão da força armada para o imbróglio.

O vice-almirante fala da importância social da Marinha, mas precisamente das atividades desenvolvidas na Base Naval de Aratu, à qual pertence a Vila Militar que divide espaço com o território que também os quilombos contestam o direito à posse. Dias, como ilustração disso, fala da construção de 100 lanchas escolares na Base Naval, no ano passado, para auxiliar o transporte de crianças das “comunidades ribeirinhas” à escola e do apoio à manutenção de cinco ferryboats que fazem o transporte marítimo entre Bom Despacho, na Ilha de Itaparica, e o terminal de São Joaquim, em Salvador.

“É, portanto, lamentável que esse imenso patrimônio do povo brasileiro esteja ameaçado por algumas pessoas que se autointitulam ‘quilombolas’ e ocupam, de forma predatória e irregular, uma área de mata que pertence à União e se destina à proteção dos mananciais da Barragem dos Macacos, essencial para o funcionamento das organizações militares que fazem parte do Complexo Naval de Aratu”, diz o comandante do 2º Distrito Naval, em trecho do texto.

O militar afirma também que a força “reconhece os direitos das minorias”, mas discorda que os moradores do local sejam quilombolas, mesmo com o fato de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), também órgão Federal, ter construído uma nota técnica certificando, com base em estudos antropológicos, entre outros, que o local se trata de um quilombo, com vestígios de existência há cerca de 100 anos [a questão crucial é que o Diário Oficial da União ainda não publicou o documento, portanto ele não é considerado “oficial”].

Para o vice-almirante, lastreado em “provas documentais”, a Marinha tem “convicção plena” de que os ocupantes do território em juízo “não são remanescentes de quilombos”. Segundo Dias, alguns dos moradores são “oriundos do interior da Bahia”, de “outros estados” e que só se “autodefiniram como ‘quilombolas’ em setembro de 2011, diante da iminência do cumprimento do mandato judicial de desocupação do terreno”. Em outras ocasiões, contudo, os moradores do Rio dos Macacos alegam que “nunca foram ouvidos” pelo juiz que deu deferimento à ação da Marinha.

O titular da gestão na Marinha no estado fala ainda de que a postura dos quilombolas em “se vitimizarem” seria parte de uma “estratégia para sensibilizar a opinião pública”, usando-se de “campanha difamatória contra a MB, difundindo denúncias de maus-tratos e violações, supostamente cometidos por militares contra os seus membros”. Dias também reforça que tais denúncias, mesmo sem a “autoria da suposta ilegalidade” ou de provas “materiais”, são apuradas pela força armada, por meio de inquéritos militares, e que ambos são concluídos e encaminhados ao Ministério Público Militar sem encontrar “quaisquer indícios que confirmem a veracidade das acusações”.

Em outro trecho, o militar diz que a Marinha, mesmo em meio ao exposto por ele como “verdades” sobre o caso, se coloca na posição de colaborar para uma “solução pacífica da questão” e que a MB disponibilizou um terreno de 210 mil metros quadrados, distante 500 metros do local onde os quilombolas vivem hoje, para realocação da comunidade, “em local de fácil acesso a serviços públicos de saúde, transporte, comunicações, água, saneamento e energia elétrica” [itens que os moradores de Rio dos Macacos não têm acesso até então. Mas os quilombolas rejeitam a oferta e preferem permanecer no território onde vivem]. O comandante relata ainda que a proposta ainda traz a construção de moradias populares, com base em anteprojeto da Secretaria de Desenvolvimento Social da Bahia (Sedes).

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O vice-almirante Dias declara no artigo que se coloca em atitude conciliadora, que a força não “compactua com atos de opressão e violência” e que sua missão é a “defesa do País e de sua população”. E, com uma frase de efeito, termina também conclamando a sensibilização da opinião pública: “…Entretanto, não se pode concordar que a vontade de alguns poucos se sobreponha ao direito de todos, pois a Base Naval de Aratu não pertence apenas à Marinha do Brasil, mas, sim, a todos os brasileiros”.

A Praia de Inema, contudo – contestam alguns -, paraíso natural dentro da Base Naval, tem acesso limitado, onde só com o autorização da Marinha se pode entrar – reduto de descanso presidencial, a própria presidenta Dilma Rousseff passou o réveillon no local. Na ocasião, moradores do Rio dos Macacos e integrantes de movimentos sociais que apoiam os quilombolas promoveram um protesto, nas intermediações da Base Naval, contra o que chamaram de o “silêncio da presidenta” ante ao conflito.