“Direitos humanos não se pede de joelhos. Exige-se de pé”… Uma multidão de 6 mil romeiros e militantes das causas sociais, baianos e de mais seis estados, tomou a esplanada da gruta ao Bom Jesus da Lapa para homenagear o autor da desconcertante frase, o falecido ativista Dom Tomás Balduino, durante a realização da 37ª Romaria da Terra e das Águas, “Libertar a terra é defender a vida”, no início desse mês, em Bom Jesus da Lapa, terra do turismo religioso na região Oeste da Bahia.

Romeiros lotaram a Capela da Soledade, dentro da gruta que integra o santuário do Bom jesus da Lapa. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Romeiros lotaram a Capela da Soledade, dentro da gruta que integra o santuário do Bom jesus da Lapa. | Foto: Cadu Freitas/BnL

“Eu vou tocar minha viola, eu sou um negro cantador. O negro canta deita e rola, lá na senzala do Senhor. Dança aí negro nagô, dança aí negro nagô…”, o canto do quilombola ‘Seu’ Luiz Firmino, deu o tom dos debates.

Grupo de samba de roda quilombola. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Grupo de samba de roda quilombola. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Com Velas, cruzes, terços, instrumentos da fé católica. Mas também pás, inchadas, foices, instrumentos do trabalho na terra. Os romeiros vivenciaram de 04 a 06 de julho não só as instâncias da religiosidade que exala da mística gruta, que abriga a Capela da Soledade, mas debateram temas políticos e sociais durante os famosos plenarinhos.

Fé em meio à reivindicações sociais. | Foto: Divulgação Santuário

Fé em meio à reivindicações sociais. | Foto: Divulgação Santuário

“Só falhei uma. Aqui a gente aprende muito nos plenarinhos, renova força para enfrentar as batalhas dos nossos outros irmãos com sabedoria”, endossa Mirian Porto da Silva, romeira de Morro do Chapéu (BA), ao participar pela 18ª vez na Romaria. Temas como políticas para povos e comunidades tradicionais [quilombolas, indígenas, ribeirinhos…], defesa da vida humana, juventude e direito à terra foram discutidos no encontro.

Os romeiros aproveitaram para comprar lembrancinhas do lugar. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Os romeiros aproveitaram para comprar lembrancinhas do lugar. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Jovens, da Pastoral da Juventude (PJ) ou apenas curiosos, lotaram também as ruas de Bom Jesus da Lapa, durante a segunda maior romaria de Bom Jesus da Lapa [a primeira ocorre em outubro, dedicada ao santo]. “Viemos com 50 pessoas. Todos diziam que é muito bom e quisemos conhecer e viver essa experiência”, contam, como num ‘jogral’, os jovens Flávio Santos, Júnior Diniz e Leonardo Batista, ambos vindos de Irecê.

Plenarinho da juventude discutiu políticas públicas para os jovens baianos. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Plenarinho da juventude discutiu políticas públicas para os jovens baianos. | Foto: Cadu Freitas/BnL

“O povo de Deus, no deserto andava, mas à sua frente, alguém caminhava. Também sou seu povo Senhor…”, comandando cantigas de romeiros e devotos, Nelson Nunes, liderança quilombola de Vitória da Conquista, convidava o povo para a luta pela terra e contra as desigualdades raciais e sociais.  “Tenho orgulho de ser quilombola. Temos que lutar por nossos direitos e contar nossas conquistas”.

Ações sociais, devoção e clamores por direitos do povo marcaram a Romaria. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Ações sociais, devoção e clamores por direitos do povo marcaram a Romaria. | Foto: Cadu Freitas/BnL

A programação abrigou ainda uma via-sacra, do Santuário até as margens do imponente rio São Francisco, local onde realizaram o “gesto concreto” de coletar o lixo jogado no cais, como símbolo da “necessidade de se preservar as bacias hidrográficas”. Eles cobraram também ações mais concretas para a recuperação dos rios. Uma “Noite Cultural”, no sábado (05), fez a alegria dos milhares de romeiros.

Vista aérea de Bom Jesus da Lapa vista. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Vista aérea de Bom Jesus da Lapa vista. | Foto: Cadu Freitas/BnL

A Romaria da Terra e das Águas é organizado pelo Santuário de Bom Jesus da Lapa, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelas dioceses de Bom Jesus da Lapa, Barra, Barreiras, Irecê e Arquidiocese de Vitória da Conquista e movimentos sociais. Além do tema deste ano, o evento homenageou o bispo fundador da CPT, Dom Tomás Balduino, que teve como marca o compromisso com a luta do povo.

Os romeiros do Bom Jesus da Lapa. | Foto: Divulgação Santuário

Os romeiros do Bom Jesus da Lapa. | Foto: Divulgação Santuário

O encerramento, no domingo (06), além de missas e debates na gruta, foi marcado pela confecção da “Carta da 37ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa”, que narra os princípios e anseios para “libertar a terra” e “defender a vida”.

Santuário do Bom Jesus da Lapa lotaram a gruta. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Santuário do Bom Jesus da Lapa lotaram a gruta. | Foto: Cadu Freitas/BnL

Trecho do documento narra o “espírito” da Romaria: “A igreja da Lapa foi feita de pedra e luz.” Assim cantam os romeiros e romeiras no Santuário do Bom Jesus da Lapa. Nós da 37ª Romaria da Terra e das Águas, cerca de 6.000 pessoas dos vários cantos da Bahia e também de Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro, tomamos deste canto popular tradicional a inspiração para comunicar às comunidades, às organizações populares e movimentos sociais, às igrejas, às autoridades e à sociedade brasileira, as pedras e as luzes que esta romaria identificou em nossa caminhada de fé e luta. Pedras de tropeço, dureza, peso, dificuldade, mas também firmeza, teimosia, resistência. Luzes que iluminam o chão da caminhada e também o horizonte da chegada, o fim do túnel, a alvorada do Reinado de Deus, que é Amor, Justiça e Paz em tudo e todos. Em cada momento de nossa romaria, da celebração de abertura à de envio, na via sacra de Cristo e do povo e do corpo do mundo, nos cinco plenarinhos temáticos, no ritual da penitência, no ofício de Nossa Senhora e no grande plenário conclusivo, perpassaram o desejo premente e o compromisso inadiável da terra livre e da vida em abundância“…