Mesmo regado a bebida o ‘Senadinho’ é exemplo de decoro para políticos brasileiros

Uma instituição onde a coletividade festeira ganha o pário contra interesses pessoais e corporativistas dos parlamentares, na qual as birras e intrigas de bastidores comuns à cena política de Brasília dão lugar à diversão, o companheirismo e o bom-humor. Este lugar quase improvável no cenário da política brasileira é na verdade o “Senadinho”, bar e restaurante, aberto em 2004 e que é o point da comunidade de Daniel Gomes, uma das mais carentes da Estrada Velha do Aeroporto (EVA).

Ao contrário do Senado oficial, no “Senadinho” ninguém viola o painel (a caixa registradora), não se discute aumentos abusivos de salários em causa própria, não se fala em mensalões e nem em outras mordomias que há na Capital da República. Aliás, a única mordomia é o atendimento vip prestado aos clientes que, por sinal, dão exemplo de decoro parlamentar para os mais corruptos dos políticos brasileiros. Além disso, é o único senado que funciona, religiosamente, todos os finais de semana.

Mesmo sendo um local para relaxar, discutir assuntos diversos num tom festivo e prazeroso, regado a bebida, tira-gostos (os mais pedidos são a moqueca de peixe e o caviar à baiana, feito com testículos de boi) e boa música, o “Senadinho” possui o seu rígido código de ética. Para garantir o decoro dos consumidores está determinado que ninguém pagará a comissão de 10% (comum nos bares da cidade). Neste parlamento informal é dispensado o paletó e gravata, mas não é admitido entrar sem camisa. A dança depravada também não é aceita no recinto, um arrocha moderado e olhe lá. Quem fiscaliza o cumprimento das regras é o garçom Anailton Bacelar, que ocupa “cargo de confiança” na casa. “Aqui o salário não é aumentado em 98%, como em Brasília. Aqui o ganho é suado”, diferencia Bacelar.

Diversão e alta-tensão – O Senadinho possui o seu líder máximo, o presidente vitalício, Carlos Ferreira, proprietário do bar e restaurante. Ele pega uma carona no discurso moralizador de seu funcionário e diz que “ali é um espaço democrático, onde os freqüentadores podem discutir política, projetos sociais e melhorias para a comunidade, num bate-papo animado, ao som de boa música”. Mas, os debates pegam fogo quando o assunto é a presença de duas associações de moradores no bairro (uma delas sob o comando do próprio Carlos). Quem tem os melhores projetos, quais são as verdadeiras intenções dos presidentes dessas associações, esses são alguns pontos de tensão. Nossa equipe de reportagem presenciou uma dessas discussões – entre o proprietário do “Senadinho” e dona Lôra, uma das representantes da associação concorrente – no dia em que visitou o bairro.

Durante o dia a diversão no “Senadinho” fica por conta de DVD’s de samba, MPB e outros ritmos. À noite, a partir das 19 horas, se ouve a voz do “Cabelo de Ouro”. Cantor de seresta com “mandato” garantido no Senadinho, “Cabelo de Ouro” é a maior atração local. O artista gravou um DVD (amador) no bar interpretando sucessos do cantor Júlio Nascimento e de bandas como Asas Livres e Toque Novo. Devido ao sucesso ele se prepara para gravar um segundo DVD.

Como não há nada perfeito, alguns clientes já tentaram dar um calote no bar. “Tudo que é consumido aqui, eu anoto! Podem até tentar, mas não conseguem fraudar o bar”, desafia Anailton Bacelar, o fiel escudeiro do “Senadinho”.

Serviço:

O Senadinho, Bar e Restaurante: Loteamento Daniel Gomes, Via Regional. Tel.: 3393-9388.

Ilustração | Cadu Freitas/BNL