“Eu sempre gostei de batucar com os colegas. Além de participar de coral, tinha vários amigos que tocavam violão. Frequentava ensaios de blocos de samba. Sempre fui pela vibe da emoção, de colocar para fora aquilo que me fazia bem. De maneira alguma pensava em ser profissional”, lembra o menino que cresceu em meio à cultura popular, vendo sua mãe tocar prato durante as cantorias dos sambas juninos.
Apesar de o universo sempre conspirar a favor de Lázaro Gerônimo Ferreira, sua mãe, avó e até o tio, que era clarinetista da banda marcial do exército, não queriam que o menino de Cotegipe se “embrenhasse” pelo caminho da arte. A prioridade era matriculá-lo em escolas que não utilizassem a música como instrumento de educação. “Hoje minha mãe me pede desculpas, mas entendo perfeitamente o cuidado da família comigo, pois a visão que se tinha naquela época era que as pessoas que trabalhavam com música iriam passar a noite bebendo, na gandáia, na boêmia e com drogas”, conta Lazzo.
A vivência musical sempre fez parte do dia-a-dia do cantor baiano, que ficou popularmente conhecido como Lazzo Matumbi. No início da década de 1970, após compor a banda marcial do Instituto Central de Educação Isaías Alves (Iceia), tocando clarinete, o filho de Dona Minervina passa a tocar percussão e cantar em grupos que apresentavam show folclórico.
Carreira
Em 1978, convidado para integrar o Ilê Aiyê, Lazzo inicia sua carreira profissional enquanto cantor e passa a conhecer o trabalho de técnica vocal. “Foi ali que eu percebi que a minha voz poderia ser usada para emocionar as pessoas”, comenta.
“Foi quando eu estava no IIê Aiyê que comecei a colocar pra fora essa coisa do canto, com questionamento, com essa necessidade de autoafirmação perante uma sociedade que me abraçava, mas ao mesmo tempo me excluía, aí desperto e entendo o porque me chamavam de picolé de betume”, enfatiza.
Ciente de que os grupos folclóricos e grupos de samba eram, de certa forma, usados como entretenimento mercadológico descartável, Lazzo deixa de lado os cânticos de candomblé, o samba de roda e a percussão. Na década de 1980 o “Lazinho do Ilê” também deixa de cantar no primeiro bloco afro de Salvador e aposta na carreira solo.
Matumbi vem de onde?
Tudo começou quando Baby Santiago, produtor do primeiro compacto do cantor baiano, buscava um nome artístico para o negrão que tem um timbre de voz peculiar. Foi aí que optou-se por incluir mais um “z” em Lazo e colocar o sobrenome Matumbi, que segundo ele significa pedra sagrada originária do rio Niger, na Nigéria.
“Ano passado, em um evento em Sauípe, eu encontrei com um africano do Congo que me questionou sobre o significado do meu sobrenome. Expliquei a ele, no entanto o mesmo retrucou dizendo: ‘na minha terra Matumbi é o nome de uma família tradicional oriunda de reis e rainhas’. Isso me deu um nó. Notei que eu precisava me aprofundar mais nisso, tanto é que, no final de 2013, eu participei de um exame de DNA ancestral, do qual aguardo ansioso pelo resultado”, conta.
Nessa trajetória artística, Lazzo tem oito álbuns gravados, o mais recente deles foi avaliado pela crítica musical como um dos 100 melhores CDs do Brasil no ano de 2013. “Este novo trabalho é dedicado aos meus admiradores, filhos, pais e amigos, pois são estas pessoas que me mantém vivo dentro dessa dificuldade toda que é viver da música”, salienta.
Alegria da cidade e Coração Rastafári
“Todas as tribos na mesma batida”, esse é um dos slogans do Bloco Afro Coração Rastafári, criado por Lazzo devido à necessidade de se manter no mercado carnavalesco. No entanto, a premissa do bloco foi e é “aglutinar pessoas que fazem parte de um time, que buscam um amanhã melhor e mais promissor. Optei pela batida do reggae, que traz uma questão de paz e energia positiva para desfilarmos juntos pela avenida e sem cordas”, explica.
Os ensaios do Coração Rastafári começam neste mês (23 e 30 de janeiro) e (13 e 20 de fevereiro), sempre às 20h, com ingressos a R$15, no Largo Pedro Archanjo. É provável que neste ano o bloco volte a pulsar forte na avenida, pois desde 2009 que ele não desfila durante o carnaval por dificuldades financeiras.
Ao ser questionado sobre um dos maiores sucessos de sua carreira, que é música Alegria da Cidade, uma canção atemporal, que traz em sua letra a temática do preconceito racial, Lazzo ressalta que “o tempo todo nos fantasiavam e pintavam para que nossa autoestima fosse se esvaindo. Temos que modificar esse quadro, olhar para trás ver todo esse sofrimento pelo qual passamos e transformá-lo em coragem e força para alcançar os objetivos e as metas”.
Por fim, Matumbi destaca a importância do trabalho coletivo para que a comunidade negra continue conquistando dias melhores. Segundo ele, é imprescindível que a mobilização e a união de outrora retorne à cena cultural baiana, para que cantores, blocos afros e bandas trabalhem em rede. “Nós estamos aqui de passagem, queremos usufruir das conquistas, mas não podemos esquecer de deixar o caminho arado para os que virão futuramente. No entanto, isso só será possível se nós nos unirmos para revertermos esse quadro de desigualdade social e racial”, sintetiza.