Por Curiando o Rolé
Versões inspiradas e ampliadas das fitinhas do Senhor do Bonfim foram produzidas pelo artista visual e designer Ricardo Guimarães para lembrar as pessoas que morreram de covid no país. São 33 fitas colocadas em postes da orla de Salvador, no trecho que vai do Centro de Convenções, na Boca do Rio até o bairro do Costa Azul.
As fitas têm quatro centímetros de largura e trazem o mesmo texto da fitinha do Senhor do Bonfim, só que no lugar do nome do santo está o primeiro nome de vítimas da doença. Ele selecionou os nomes, a partir de histórias que acompanhou pessoalmente, relatos que ouviu de amigos e também pessoas famosas que foram levadas pela covid.
Foi do incômodo de ver que as histórias das pessoas estavam virando números, que nasceu a motivação do trabalho. “Esse mundo de gente morrendo, gente virando número. Essa coisa que está machucando todo mundo e que é tratada de um jeito como se fosse mais uma pessoa que morreu”.
Positividade
Apesar de estar lidando com a morte, o artista fugiu do uso do preto e do peso do luto. “Não quero o caráter fúnebre. O que essas pessoas deixaram de bacana? Por conta disso, uma das opções foi as fitas serem coloridas. São fitas azuis, vermelhas, amarelas. Um monte de fitas coloridas”.
A montagem da obra, feita pelo próprio artista, virou uma espécie de despedida. “Teve um caráter ritual. Em cada poste eu fui lá e dei os três nozinhos, pensando naquela pessoa”.
Ricardo trabalha e estuda o uso da palavra nas obras visuais. Já usou as fitinhas do Senhor do Bonfim como inspiração para um trabalho artístico e reproduziu fielmente a fonte usada nas tradicionais medidas do Bonfim. Agora, a opção foi outra. “Ao invés de pensar na minha atuação como designer, fiz o texto a mão. Para ficar uma coisa autoral, que cada pessoa tem uma letra que tem alguma irregularidade.”
Cadê as fitas?
As fitas foram amarradas em fevereiro, logo após o carnaval, mas 15 dias depois algumas haviam desaparecido.
“Trabalho no espaço público a gente já sabe que funciona desse jeito. Para mim não teve nenhuma surpresa. Ao invés desse olhar de poxa, tiraram; já é outro pensar: como elas saíram de lá?”
Como as fitas foram amarradas com três nós, quem as levou teve que desatar os nós ou cortar. “Essa pessoa tirou porque se sentiu incomodada com o uso da relação com a fita do Senhor do Bonfim ou por outra razão? Ou ela se identificou com aquilo e quis levar para casa ou aquele nome fez alguma referência? São interrogações que fazem parte”.
Quando produziu as fitas, o artista fez quantidade superior ao número de postes do trecho e a obra será recomposta. É uma forma de manter a homenagem e reforçar o convite à reflexão sobre o momento em que estamos vivendo.
O lugar para a instalação
A escolha do lugar para uma intervenção artística no espaço público também integra a construção de sentido da obra. A pista de caminhada na orla além de ser o único lugar, fora de casa, onde o artista se permitiu ir nos períodos em que a doença parecia mais controlada, tem a ambiência que ele desejou para a sua instalação.
Quem passa de carro praticamente não percebe a intervenção. “Eu queria essa coisa mais íntima. Com a sequência dos postes, você vai vendo que tem um tracinho colorido, vai olhar. Caminhando você fica de alguma forma incitado a olhar, a visualizar o que está escrito. Tem uma visibilidade para o caminhar. Quem está caminhando pode parar ou não vai parar. Vai olhar ou vai arrancar”.
Curiando o Rolé é um perfil do Instagram conduzido pela dupla de jornalistas soteropolitanas Fabi Pita e Nanda Santana. No perfil, elas trazem dicas culturais, turísticas e gastronômicas dos passeios que fazem por Salvador.