Por Carla Bahia
A poeira que subia quando as camionetes D10 e Rural atravessavam o chão vermelho, descendo pelo Raso da Catarina, chegando a Canudos, a Bendegó, eram prelúdio de banquete. Os caminhos que levavam a Uauá, quase sempre desertos, traziam como companhia a vista para mandacarus, xiquexiques e palmas – e suas frutas protegidas por espinhos –, na travessia do lá e cá do sertão da Bahia. A qualquer momento, uma parada. Nela, um refrigerante gelado, para aliviar o calor que guarda a caatinga.
– Esse bolo é do quê, fia?
– Tem de ovos e de leite.
– Pois me dê um de leite e um guaraná presse menino.
Por ali, para quem passava pela Lagoa do Pires ou Carataca, até mesmo por quem vinha pelo outro lado, o de Caldeirão da Serra, uma venda, uma lanchonete, um barzinho ou qualquer ponto de descanso era lugar para disfarçar a fome de quem esperava comer um bode assado. Ou frito. Bode. Um pedacinho de bolo com café para uns, com refrigerante para outros. E assim, de mordida em mordida, a cada viagem, uma memória ia se formando. As estradas do sertão trazem muitos sabores, inclusive o de bolo de leite.
Eu amo bolo de leite. Eu e meu irmão caçula. Estávamos conversando, dias atrás, aí lembramos do bolo. “Tem guaraná?” é a pergunta que ele sempre faz. “Bolo de leite com guaraná faz parte de minha memória afetiva”, ele diz.
Sempre que viajo pelo norte da Bahia, procuro bolo de leite nas paradas pela estrada. Certa vez, ao desembarcar, tarde da noite, na rodoviária de Ribeira de Pombal, senti o perfume do frio da madrugada dando-me boas-vindas. Ao virar o rosto para comentar, com um amigo, da poesia do instante, fui capturada pela cena: um balcão, bandeirolas, vitrine de bolos e um letreiro pintado ao centro da parede amarelo manga ao fundo. Em segundos, recuperei as imagens da região do Conselheiro. “Será que tem bolo de leite?”, pensei. Já passava de meia-noite. Guardei a vontade e segui com a saudade.
Dias atrás, prometi ao mesmo amigo que viajou comigo para Ribeira do Pombal que levaria bolo de leite para um cafezinho nosso em um sábado pela manhã. Em casa, bolo feito, comi uma fatia, duas, três… o bolo quase todo. Levei dois pedacinhos para ele. Nesta semana, novamente, me pego falando do bolo. Hoje, a vontade de sentir o gostinho apertou. Eu estava em companhia de outro amigo, contei do bolo, que ele nunca tinha comido. Só esperou mesmo eu desenformar para poder partir seu pedaço e leva-lo para casa. Inventei de comer um pedacinho para provar. Por que fiz isso??? Comi um, comi dois, comi três… Voltei ao meu amigo e disse:
– Leve mais, porque eu vou passar mal de comer.
Ele levou metade do bolo; toda hora tiro uma fatia do que ficou, não consigo parar de comer…
Bolo de leite
(Também chamam de bolo de leite nordestino, bolo mole. Tem a versão “Engorda marido”, mas leva leite condensado e leite de coco)
Ingredientes:
3 xícaras de chá de leite (750 ml),
2 xícaras de chá de farinha de trigo,
2 xícaras de chá de açúcar,
1 xícara de chá de manteiga,
4 ovos
Assadeira untada com manteiga e polvilhada com farinha de trigo. Forno pré-aquecido
Preparo:
Bata todos os ingredientes no liquidificador por uns três minutos (ou até menos. Basta que a massa fique uniforme). Coloque a massa na assadeira e leve o preparo ao forno por período de 40 a 60 minutos (a potência do forno faz variar o tempo de cozimento da massa). O ponto é quando está num douradinho por cima e as laterais soltando da assadeira levemente. Dá pra ver tranquilamente. Quando tirar do forno, deixe esfriar antes de tirar da forma, porque, pela estrutura do bolo, se desenformá-lo ainda quente, pode esbagaçar sua delícia.
Dica: a receita pede uma xícara de manteiga. Eu coloco quase uma xícara. Paranoia minha de achar que é muita manteiga. Aí eu coloco um tico a menos da manteiga. A receita pede mesmo é uma xícara.