Anta
(an.ta)
sf.
1 Zool. Mamífero da fam. dos tapirídeos (Tapirus terrestris), originário da América do Sul, de focinho em forma de pequena tromba e cauda curta; TAPIR
2 A pele da anta
s2g.
3 Bras. Fam. Fig. Pessoa de pouca inteligência
[F.: Do ár. lamta.]
Antes de qualquer avanço a respeito dos porquês relacionados ao vocábulo acima, é extremamente importante refletir sobre um fenômeno tipicamente brasileiro. Topa a brincadeira? Ok. Vou contar até três… lá vai:
O que diferenciaria os cem anos de umx poeta brancx do centenário de duas personalidades negras da literatura no Brasil? Leia de novo. Pense. Responda. Aparentemente só a dimensão étnico-racial, correto? Essa conclusão apressada impediria uma leitura mais corajosa e inteligente sobre a questão, pois, como diria o trovador santamarense, “todos sabem como se tratam os pretos”. Vejamos:
No dia 14 de março de 1914, nasceram dois vultos das letras brasileiras, Carolina Maria de Jesus e Abdias Nascimento. Ambos tiveram suas obras publicadas em diversas línguas; o Quarto de Despejo, da escritora centenária, foi traduzido para treze idiomas e editado em quarenta países e vendeu mais de um milhão de livros. Escolas estrangeiras de ensino fundamental e médio, bem como suas universidades, estudam a literatura de Carolina e Abdias. Desnecessário mencionar o respeito que a comunidade erudita internacional tem por esses dois ícones; entretanto, é imprescindível refletir sobre como nossa sociedade costuma lidar com os intelectuais negrxs brasileirxs.
Recentemente, a imprensa brasileira, representada por periódicos vulgares, a exemplo do brasiliense jornal Metro, guinchou o termo ‘anta’ ao referir-se a uma das maiores pensadoras do Brasil. A ofensa machista e racista foi dirigida à Ministra Luiza Bairros, em decorrência de sua avaliação sobre os chamados ‘rolezinhos’. Ela contestou, com veemência, a liminar da justiça que criminalizou jovens negros, proibindo-os de entrar nos shoppings: “Os problemas que têm havido são derivados da reação das pessoas brancas que se assustam com essa presença”.
Não bastando a injúria racista veiculada naquele periódico questionável, o colunista Claudio Humberto, responsável pelo comentário, incorporou Joseph Arthur de Gobineau, pai da ideologia racista contemporânea, ao afirmar não haver “branco puro” no Brasil, tentando justificar a ausência de conflitos sócio-raciais no contexto mencionado. Ora, é muito simples dirimir a dúvida desse senhor, basta consultar seguranças ou gerentes das lojas sofisticadas desses estabelecimentos e pedir-lhes que descrevam o suspeito padrão, ou, mais diretamente, quem seria branco ou negro na percepção sociológica dos mesmos. A leitura destes, seguramente, revelaria dissonância com o sofisma do Sr. Claudio Gobineau, digo, Humberto.
Voltando ao centenário de Carolina Maria de Jesus e Abdias Nascimento, arriscaria dizer que as populações negras no Brasil provocam constrangimento tanto na condição de intelectuais quanto nos rolezinhos. Adoraria estar errado, mas dificilmente testemunharemos, em relação à Poeta Carolina e ao Poeta Abdias, as mesmas homenagens realizadas pelas mais diversas instituições públicas e privadas, durante o ano de 2013, em memória dos cem anos do poetinha Vinícius de Moraes. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), por exemplo, no ano passado conduziu celebrações nacionais à memória do poetinha, chegando a criar um selo com sua imagem.
No entanto, Wilson Batista, também nascido em 1913, compositor negro, criador de mais de 720 músicas, dentre estas, 400 foram gravadas pelxs astros de seu tempo, tais como Francisco Alves, Carmen Miranda, Mario Reis, Dircinha Baptista, Orlando Silva, Linda Baptista, Moreira da Silva, Odette Amaral, Sylvio Caldas, Aracy de Almeida, Cyro Monteiro, Aracy Cortes, Luiz Barbosa, João Gilberto, Anjos do Inferno e Bando da Lua; pois bem, seu centenário em 2013 foi sumariamente ignorado.
Segundo o jornal Metro, não temos racismo em nosso país por que aqui não há branco puro. Eis uma leitura possível (?!) sobre a realidade brasileira – possível e conveniente-, mas há quem afirme tratar-se de uma imensa e grandiloquente asneira; nenhum milímetro a menos… asneira total nesse jornal (permita-me a rima).