Com a cabeça lotada de informações, sendo muitas vezes, de informações irrelevantes, esses últimos dias foram extremamente reflexivos de uma forma sucinta, mas muito pertinente.
E é com muito prazer, que apresento para vocês, Keven.
Ele chegou aqui e aqueceu os nossos corações com o seu jeito educado, doce e ingênuo de uma criança de 9 anos que provavelmente já sentiu muito o gosto amargo da vida.
O pai dele e ele foram resgatados das ruas por um grande amigo meu na última segunda-feira (03), nas redondezas do Terminal Rodoviário de Salvador.
Eles haviam chegado de um interior um pouco distante aqui da capital e a vida não deu um tratamento muito fácil para eles.
Chegaram aqui famintos e com medo, o pai dele disse que só estava tentando pedir uma ajuda financeira para comprar uma passagem de volta para o interior.
E uma coisa curiosa.
Keven não falava absolutamente nada e se segurava num objeto que achei bastante interessante: uma raquete elétrica de matar mosquitos.
Segundo o pai dele, ele perdeu a mãe ainda muito novo, há aproximadamente 4 anos.
Depois de alimentados, oferecemos um lugar para eles tomarem banho e conseguimos arrumar um lugar na sala para eles poderem passar a noite.
Vocês provavelmente agora devem estar pensando: “Que gente louca, colocaram dois completos estranhos dentro de casa!”.
Mas o que vocês possivelmente podem entender como loucura, nós conseguimos compreender como compaixão e empatia.
Afinal a vida nunca foi fácil, não é mesmo?
Chegando agora no período da Páscoa, estamos geralmente preocupados pensando em qual chocolate deveremos comprar para presentear alguém ou em qual chocolate iremos receber.
E talvez, muito provavelmente, esquecemos do que realmente se trata.
Páscoa, passagem, recomeço. Não?
Eu não sou uma pessoa religiosa, mas eu sei que essa é a história de um homem que passou pela terra espalhando mensagens de paz e esperança, mas foi brutalmente assassinado e milagrosamente ressuscitou.
E esse mesmo homem disse: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”.
Nós não queríamos saber o motivo deles estarem ali. Tentamos até procurar compreender o que havia acontecido, mas não era relevante também.
Só queríamos ajudar.
O meu amigo comprou a passagem de volta para eles e eu fiquei bem próxima de Keven.
Ele contou que nunca foi para a escola e que ainda não sabia ler.
Jogamos bastante WAR, eu ensinei a localização dos continentes para ele, e olha só, ele ganhou o jogo com 19 territórios conquistados de primeira!
“Pff… sorte de principiante”, brincamos.
Ele se divertiu comendo amoras do pé pela primeira vez e amou. As amoras menos maduras, e mais azedas, ele pegava para brincar com o pai e dizia: “Quem fizer careta primeiro perde”.
Rimos bastante, assistimos alguns filmes e ele amou A Era do Gelo.
Comprei uns lanches para ele levar. E ele sorria muito o tempo inteiro, apesar de tudo, dessa vez, totalmente longe da raquete de matar mosquitos.
Sempre muito educado e sincero.
Ele pediu para tirar fotos com a minha câmera e ali ficamos aproveitando o dia até a hora da realidade chegar.
E, não, essa história não tem nada a ver com o filme e eu realmente espero que não tenha.
Fico aqui na torcida para que Keven continue sendo essa alma pura e alegre. Que passou na minha vida para me ensinar mais coisas do que eu pude ensinar para ele.
Novamente com a raquete nas mãos e, agora, com um sorriso no rosto ele me abraçou para se despedir dizendo: “Tchau, tia. Fica com Deus”.
Keven, eu espero que Deus fique com você também.