Não! Talvez esta seja a palavra mais pronunciada e ouvida na atmosfera do Rock in Roll baiano. A história do rock na Bahia começa nos anos 60 e 70 e ultrapassa o tempo, com características novas, mas sem perder as raízes. Raul Seixas e Os Panteras são os nomes mais conhecidos e precursores do rock baiano. Depois deles, a Bahia vira palco de um surgimento significativo de novas bandas, apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas.
O rock, quando surge em Salvador, na década de 1960, introduzido pelos hippies, apresenta para a juventude uma opção diferente ao que era encontrado até então na sociedade. Eles não queriam ser burgueses, capitalistas, racistas, marxistas, heterossexuais. Demonstravam que era possível ter um outro modo de vida. Este “Não” às normas sociais do passado permanece até hoje, em proporções diferentes, e caracteriza muitas bandas de ontem e de hoje. “Estamos presos ao sistema, temos que quebrar o cadeado”, desabafa Rosendo Fontes Lago Jr., vocalista e guitarrista da banda 3 Procurados.
Esta banda criada no ano 2003, por Rosendo Jr. (antes se chamava Homens perdidos), que colocou um anuncio nos classificados procurando um baixista e um baterista para formar um Power Trio, carregava como bandeira uma leve crítica ao senso comum de se dizer que a Bahia é a terra do axé. Eles, assim como outras bandas que estão se projetando no cenário nacional e internacional, como Cobalto, Cascadura, Pitty, The Honkers, têm mostrado que a Bahia também produz rock, e de qualidade.
O axé e o pagode baiano dominam o mercado musical de Salvador, com isso, outros estilos musicais encontram restrições para se tornarem visíveis. “A industria que mais dá dinheiro na Bahia é o axé music. Então, os empresários do mercado fonográfico preferem investir em algo que dá certo, do que arriscar em algo que pode dar certo”, declara o baterista da banda The Honkers, Dimmy da Silva, “O Demolidor”. Ele se refere ao problema mais comum às novas e antigas bandas de rock: o incentivo financeiro. Para Dimmy, o rock não tem apoio nem de empresários nem do governo. “Salvador é uma cidade antiga, a Prefeitura e o Governo do Estado estão preocupados em reformar igrejas, e outros patrimônios culturais. Tem outras prioridades que não é o rock”, acrescenta.
A falta de espaços físicos adequados para realização de shows, de uma mídia séria, de profissionalismo e o preconceito que a sociedade (hoje em dia, bem menos) tem para com o rock, são outros fatores que dificultam o firmamento da cultura rocker baiana. Claro que isto não é privilégio da Bahia, e nem do rock, como explica a Antropóloga e Coordenadora do curso de Humanidades das Faculdades Jorge Amado, Goli Guerreiro: “A posição do jovem na contemporaneidade está ligada à cena rock. Em Salvador, o rock teve e tem dificuldade de se firmar por ser considerado um estilo ’branco’, numa cidade de predominância negra e que tem como raízes o axé, o pagode, etc. Não é contra o rock, mas é a ambiência do local que dificulta a chegada de um outro estilo”.
Apesar das barreiras, uma série de ações vem sendo realizadas em prol do rock soteropolitano e baiano, de um modo geral. A MTV realiza a veiculação de músicas e clipes de bandas baianas, com o objetivo de dar visibilidade, através do incentivo comercial e da produção áudio-visual, a essas bandas. Osvaldo Silveira Jr., é o Diretor de Operações da MTV-BAHIA, e atua no mercado musical baiano desde 1996. Ele conta que as bandas da Bahia estão mais organizadas e vem sendo reconhecidas e aclamadas fora do estado, como é o caso de Pitty e da banda Cascadura. “A Bahia tem público rock, mas o que falta mesmo é um grande festival de rock local. O Palco do Rock deveria ocorrer no mês de agosto, no aniversário de Raul Seixas, e ser este grande evento”. Osvaldo Jr., ao falar do Palco do Rock, se refere ao evento realizado no período de carnaval, na praia de Piatã, que reúne várias bandas da Bahia, de outros estados do nordeste e de São Paulo.
A Associação Clube do Rock – Bahia (ACCRBA), é a responsável pelo Palco do Rock. Essa entidade atua desde 1991 representando a cultura rocker da Bahia. Tem como princípio básico as bandas baianas, trabalhando o meio cultural, social e político, que para os presidentes Sandra de Cássia e Gabriel Amorim é extremamente necessário. “Temos investido em fatores políticos, e temos avançado em estar buscando desmistificar o segmento lutando contra a discriminação. Sentimos que as investidas têm surtido efeito, no sentido de crescimento das oportunidades, para assim buscarmos o que nos falta: avançar na construção de uma cena sólida e capaz de concorrer ao mercado”, comenta Sandra de Cássia.
Para a presidenta da ACCRBA as novas bandas permanecem com estilos radicais e cultuam essências internacionais, mas que tem muita gente buscando um tom original. “As características principais mais conservadoras do Rock Baiano, atribuímos ao estilo metal. Mas, hoje acreditamos que ser experimental, é ser rocker originalmente falando”, conclui.
A internet é outro ponto importante para a difusão da cena rocker baiana num cenário global. Sites como o Bahia Rock e o Reidjou são especializados no assunto e fazem o cadastramento das diversas bandas baianas. Um outro conhecido defensor do rock baiano é o Bar Calypso, no qual foi gravado o DVD de Pitty. “As bandas novas trazem um cd Demo e nós abrimos as portas paras elas. Damos oportunidades para estas bandas”, é o que defende Maria de Lourdes Oliveira da Silva, que comanda o balcão do Calypso. Lourdes é casada com o proprietário do bar, o frânces Jean Claude Wolpert, há quase 16 anos. Ela comenta com orgulho o fato do seu bar ter sido escolhido Pela cantora Pitty, para a gravação do seu DVD. “A gravação do DVD foi ótima. Eu vi Pitty crescer, ela é uma filha para mim”. Dona Lourdes, como é popularmente chamada, devido a sua dedicação ao rock, sofre na pele a discriminação que sobrevive em alguns cantos da cidade: “Depois que chegou um vizinho novo, estou confinada a abrir o bar somente de sexta a domingo, até à meia-noite. Ele não gosta de barulho e tem criado problemas”.
As bandas de rock, contudo, continuam crescendo na Bahia. As disparidades continuam no mercado comercial da música, mas cada novo talento, cada nova banda traz consigo a esperança e a incansável disposição para afirmar-se como parte da cultura dessa imensa terra. O vocalista da banda Dennis Wilson Experience (DWE), Denis Wilson Sales Noronha, de 23 anos, comenta que a missão de ter uma banda de rock na Bahia não é impossível porque o baiano é um povo extremamente musical. Para Denis Wilson, a juventude de hoje é enganada pela ditadura das grandes gravadoras. “Acho que a moda como a música, são formas de expressão. Elas vivem em conjunto. Entretanto, as grandes gravadoras estão descobrindo uma saída para a crise da pirataria. Investindo, através da TV, em um tipo de público jovem, classe-média, morador das grandes capitais e sedentos em absorver cultura americana. Então, a fórmula está dando certo. Mais e mais grupos de rock enlatados, fantasiados com a aura dos seriados e filmes norte-americanos, estão sendo lançados em alta rotação na MTV e como trilha de novelas. O rock virou algo lucrativo para iludir esta geração cibernética. Não é a toa, que a cantora Marjorie Estiano é a artista que mais vende na Universal Music e saiu de um destes programas para jovens da TV”.
A banda DWE, como a maioria das bandas de rock baianas, parte da ideia de que se pode fazer um trabalho sério, simples, onde pode se viver coisas que já foram vividas, dizer coisas que já foram ditas, e transformar estas coisas ao seu jeito.
RETRÔ
-1960/70: introdução do rock (norte americano) pelos hippies, no Brasil.
-Final da década de 1970: estourado em todo o país o grande ícone, até hoje, do rock baiano: Raul Seixas.
-Década de 1980: as bandas de sucesso – Camisa de Vênus (Marcelo Nova estava à frente. Hoje, continua sendo um grande nome do rock baiano), 14º Andar, Úteros em Fúria, Trem Fantasma, etc.
-Década de 1990:
1ª Geração: Léo Fera, Teto de Vinil, etc.
2ª Geração: Utopia, Cravo Negro, Suíte, Ramal 12, etc.
Depois mais uma turma inspirada no Nirvana: In Coma (a antiga banda da cantora Pitty), 2 Sapos e meio, etc.
-Atualmente: Cobalto (está fazendo sucesso na Finlândia), 3 Procurados, The Honkers (vai lançar cinco álbuns em fevereiro de 2007 na Suíça), Cascadura, Rebecca Mata, Pitty (está fazendo sucesso em São Paulo e em todo o Brasil), Retrofoquetes, Sangria, DWE, RoneyJorge, Os Tequillers, etc.
[Reportagem originária de dezembro de 2006]
Fotos | Cadu Freitas/BNL