Grande revelação da música, o cantor e compositor pernambucano apresenta novo disco com faixa a faixa escrito por Zélia Duncan
Martins tem um sorriso dentro da voz. É o espelho dos seus olhares para o que faz, de como a música parece lhe servir e, dessa maneira, chega até nós. Um conforto, um escape da vida que pesa nos ombros, um sorriso à espreita, ou escancarado. Emociona macio a quem ouve. E com toda doçura que sempre se anuncia na voz e na presença, vai mostrando com firmeza a que veio. E veio para ficar. Sua plateia canta todas as suas canções, até as inéditas. Há algo de imediato na sua imagem e no seu canto, que rapidamente nos convoca. Vindo da maré sempre renovadora dos mares pernambucanos, de uma semente que germina no coletivo e atende pelo nome de Reverbo.
Acreditando na troca, Martins chega muito bem acompanhado, desde seu álbum de estreia. E não larga a mão de seus companheiros de jornada, porque neles se reconhece. E cresce. Não me deixa mentir a presença de Juliano Holanda, que produziu o álbum anterior, toca as guitarras e assina metade das músicas deste lançamento, que traz ao todo uma dúzia delas, literalmente. Apenas uma é regravação. Um clássico do repertório do grande Jorge Aragão, intitulada “Eu e você sempre”. Que na língua de Martins se torna uma doce e irresistível balada de amor. Aliás, é sobre amor o que escutamos neste álbum. Amor lírico, amor sensual, amor que termina, amor que começa, amor existencial, como na comovente canção com ares de oração, chamada “Deixe”, uma das quatro que assina com Juliano, onde aos poucos se revelam cordas e sopros, como que para nos elevar gradativamente. Proponho que você se entregue e “deixe que tudo que há num corpo se revele”, ao ouvi-la.
A faixa de abertura, ”Tua Voz”, começa com violão e um teclado com sonoridade Rhodes, tocado com sensibilidade por Rodrigo Tavares. O clima é sensual, meio bluesy, pra falar da boca, do canto e dos desejos.
“Não Duvido” se anuncia com uma levada samba-rock. Violão, suingue, sopros e já chega provocando: “eu tenho lábios de sorrir, você tem dentes de quem quer morder”. Soa orgânica e alegre. Na bateria de Thiaguinho Silva e percussão de Kainã do Jêje, tudo vai pro lugar do balanço e a música se faz e derrama num refrão que é prazer garantido.
“Tá tudo bem” é de Igor Carvalho e Juliano Holanda, traz o selo de qualidade Reverbo. Não à toa, Martins gravou e assinou com seu canto, junto com os autores, seus parceiros em tantas outras.
A faixa-título do álbum, “Interessante e Obsceno”, uma das cinco assinadas apenas por Martins, traz desejos de equilíbrio, auto-estima e leveza. Como um novo táxi lunar chegando de Pernambuco, pra te levar aos melhores passeios. Cuidado, o risco de ouvi-la sem parar é grande.
A apaixonada “Tem Problema Não” escorrega, dá vontade de pintar a cena que a melodia anuncia. Tem um clima bossa-nova, costurado pelo trombone de Nilsinho Amarante, que vai fazendo a ponte entre as estrofes, o refrão e a paixão à distância, que sempre dá um jeito de se encontrar através da canção. Aliás, bons refrões não faltam, na dançante “Deixa Rolar” comprova-se muito bem o suingue e as palavras que rapidamente se aprende, enquanto o corpo balança.
As cordas e sopros que soam na balada “Nu”, vestem a faixa de forma suave e gradativa, que emociona e valoriza a bela canção. Alberto Continentino assina seu contrabaixo em todas as faixas, pra deixar tudo bem amarrado, com sabedoria musical e inspiração.
“Céu da Boca” vai rolar pelas gargantas dos fãs e a saliva de cada um vai ficar docinha, apaziguada e cheia de horizontes. O convite é amplo, “comigo e quem você quiser”. Põe naquela playlist das baladas irresistíveis.
“Voltar Pra si” encerra os trabalhos com clima de ijexá , baixo, percussão e guitarras, pronta pras ruas de Olinda e Recife, parceria de quatro deles, Martins, PC Silva, Juliano e Marcello Rangel.
O álbum e a jornada de Martins confirmam que se você quer voltar pra si, escolha bem seus companheiros de estrada e o caminho se faz mais possível.Tudo começa e se expandir a partir do violão, das palavras, dos parceiros e da voz desse artista cheio de um carisma, que é a cereja do bolo.
Este novo passo chega até nós muito bem articulado, pela produção sensível de Rafael Ramos. Arranjos inventivos que soam levemente, a serviço das canções.
Agora é dar a largada, deitar e rolar.