Redescobrir o Brasil. Se essa proposta lhe desperta a atenção você precisa conhecer Conde, “a capital da Linha Verde”, slogan utilizado pela cidade. Localizada entre duas capitais nordestinas – Salvador-BA (a 179 quilômetros) e Aracaju-SE (a 150 quilômetros) – a cidade do Conde, no Litoral Norte da Bahia, atrai pela tranquilidade, população acolhedora e belezas naturais das praias, rios e manguezais. Sítio do Conde é a praia mais conhecida. Nela, um misterioso ciclo de ventos retira diariamente parte da areia para depois recolocá-la, deixando à mostra um terreno formado com pedras planas que fazem lembrar um extenso calçadão. Essa formação rochosa dá origem a pequenas piscinas naturais.

Sossego essa é a marca maior do lugar onde a degradação da natureza ainda não ousou chegar | Foto: Cadu Freitas/BnL

Sossego essa é a marca maior do lugar onde a degradação da natureza ainda não ousou chegar | Foto: Cadu Freitas/BnL

Se sossego é o que o visitante deseja, o Conde possui lugares primitivos onde a especulação imobiliária e a degradação da natureza ainda não ousaram chegar. Barra de Itariri é um desses recantos. Lá, onde o visitante contempla o encontro do rio Itariri com o mar, foram gravadas cenas do filme Tieta, do diretor Cacá Diegues.

Calçadão natural, formado pelo ciclo constante das marés em Sítio do Conde | Foto: Cadu Freitas/BnL

Calçadão natural, formado pelo ciclo constante das marés em Sítio do Conde | Foto: Cadu Freitas/BnL

Caso possua espírito de viajante, devido à preservação local, o turista pode se imaginar como um ‘colonizador-apreciador’ e traçar seu próprio roteiro ecoturístico aventureiro: subir as dunas brancas do rio Itapicuru na região de Cavalo Russo ou visitar marisqueiros e pescadores do manguezal da Siribinha, as localidades menos exploradas do Conde.

O visitante se sente como um expedicionário neste paraíso natural | Foto: Cadu Freitas/BnL

O visitante se sente como um expedicionário neste paraíso natural | Foto: Cadu Freitas/BnL

Caso atracasse nas águas do Conde, Pero Vaz de Caminha teria escrito a El Rei D. Manuel da seguinte forma: “O verde aqui presente mistura-se em amplitude tal qual é a grandeza das águas. O mar é separado, ora por um paredão de areias claras que lembram flocos de algodão, ora por uma cadeia de rochas planas. Por detrás dos paredões de areia, repousam as águas mornas de rios que se encerram no oceano. Misturam-se gigantescas florestas de coqueiros, pastagens alagadiças [charcos] – com aves que lembram cisnes e flamingos – e vegetação rasteira. O ar é tão puro que daria para tratar moléstias respiratórias. Vi um povo mui simples, de reservas não à mostra. Acolhendo e ensinando tudo de bom que essa terra tem. Vi praias, riachos com corredeiras, lagos, mananciais, águas mornas e um verde esplendoroso. Uma vista que, de tão calma, magnífica e pura, traz à memória a descrição do paraíso narrada pelo livro do Gênesis”… Caminha se alongaria ainda mais caso soubesse da estrutura sistêmica que rege a preservação desta Área de Proteção Ambiental (APA) do Litoral Norte, chamada Conde.

As águas cristalinas de Siribinha | Foto: Cadu Freitas/BnL

As águas cristalinas de Siribinha | Foto: Cadu Freitas/BnL

A ilustrativa representação de Pero Vaz de Caminha não é mera fábula. É a configuração de um ecossistema diversificado que tem manguezais no distrito da Siribinha e resquícios de mata atlântica na praia de Poças. Os manguezais existem em regiões quentes e resultam do encontro das águas do rio com as águas do mar. Matéria orgânica em decomposição e argila formam os mangues. Os seres vivos deste ecossistema ajudam no equilíbrio ecológico e na subsistência humana: os famosos mariscos sururu (Mytella guianensis e Mytella falcata) e lambreta (Lucina pectinata) e o caranguejo (Cardizoma guanhumi).

Pescar, aqui, é forma de subsistência, mas com responsabilidade ambiental | Foto: Cadu Freitas/BnL

Pescar, aqui, é forma de subsistência, mas com responsabilidade ambiental | Foto: Cadu Freitas/BnL

“A gente tira o sururu do mangue, lava, cozinha e desfia, depois vendemos na feira. A lambreta nós tiramos com um cavador [ferramenta da construção civil que serve para abrir buracos] de uma a uma”, explica o pescador, marisqueiro e feirante Genildo Filho. Creia: o quilo do sururu e 50 unidades de lambreta são vendidos na feira municipal do Conde por R$ 6.

Vila de pescadores em Siribinha | Foto: Cadu Freitas/BnL

Vila de pescadores em Siribinha | Foto: Cadu Freitas/BnL

A restinga herbácea é outra vegetação comum no Conde. Ela aparece em meio aos coqueirais próximos ao mar, em solo arenoso, e seu porte é inferior a 50 centímetros. As plantas deste ambiente se adaptaram para suportar as adversidades do meio: a salinidade (alta concentração de sal) do solo, a baixa retenção de água da areia e a escassez de matéria orgânica. Árvores frutíferas também compõem a vegetação de restinga, como é o caso do cajueiro (Anacardium occidentale).

Ecossistema diverso é encontrado no Conde e suas poças | Foto: Cadu Freitas/BnL

Ecossistema diverso é encontrado no Conde e suas poças | Foto: Cadu Freitas/BnL

Essa diversidade no ecossistema se dá em Conde devido à sua localização numa zona litorânea tropical, banhada por três rios (Inhambupe, Itariri e Itapicuru). Este último, em épocas de chuvas fortes, transborda, alagando a sede do município. Por se tratar de uma planície fluviomarinha, o município possui uma vasta biodiversidade.

Sítio do Conde oferece uma infraestrutura básica  para os turistas | Foto: Cadu Freitas/BnL

Sítio do Conde oferece uma infraestrutura básica para os turistas | Foto: Cadu Freitas/BnL

O Conde tem Zonas de Proteção Rigorosa (ZPR) por possuir três distritos com bolsões de desova de tartarugas: Sítio do Conde, Siribinha e Barra de Itariri. Na ZPR só são possíveis atividades de visitação contemplativa, trilhas ecológicas e pesquisas científicas. Não são permitidas ações que alterem a fauna e a flora.

Os manguezais são preservados e fonte de sustento para marisqueiros locais | Foto: Cadu Freitas/BnL

Os manguezais são preservados e fonte de sustento para marisqueiros locais | Foto: Cadu Freitas/BnL

Peculiaridades

Em uma cidade onde a agricultura é a atividade principal, o incremento do turismo significa avanço econômico e social. Todos os anos, dezenas de jovens deixam a cidade em busca de emprego, já que a economia local não consegue absorver toda a mão-de-obra existente na cidade, com 25.724 habitantes (dados de 2013/IBGE).

O lugar é bucólico | Foto: Cadu Freitas/BnL

O lugar é bucólico | Foto: Cadu Freitas/BnL

Isso dá origem a um fenômeno interessante: na zona urbana do Conde se encontram muitos adultos, idosos, crianças e adolescentes. Porém, o número de jovens dos 18 aos 25 anos é pequeno. Os que ficam em sua cidade têm poucas perspectivas de um futuro profissional. “Os jovens ficam sem ter o que fazer e acabam caindo no álcool”, conta Vilma Cardoso dos Santos, vendedora de cocos há 16 anos.

Os turistas estão sempre em busca dos lugares de maior beleza natural do Conde | Foto: Cadu Freitas/BnL

Os turistas estão sempre em busca dos lugares de maior beleza natural do Conde | Foto: Cadu Freitas/BnL

“A gente pode ser professor quando se formar, mas fora isso não tem muita alternativa, principalmente para quem só tem formação geral”, preocupa-se a estudante de 13 anos, Viviane Mendes. Devido à falta de empregos, alguns jovens passam para o mercado informal a fim de obter alguma renda. Um exemplo são os mototaxistas e perueiros, que suprem a falta de transportes públicos.

Pier em Siribinha | Foto: Cadu Freitas/BnL

Pier em Siribinha | Foto: Cadu Freitas/BnL

A feira, que acontece todos os sábados no Conde, é uma forma de renda extra para algumas famílias (ou até mesmo é a única renda) e de se comprarem produtos a preços menores. Muitos marisqueiros e pescadores dependem da feira para o sustento de suas famílias, já que faltam restaurantes e uma estrutura para se vender pescados e mariscos para outras cidades.

Sede do município, onde ocorre a feira | Foto: Cadu Freitas/BnL

Sede do município, onde ocorre a feira | Foto: Cadu Freitas/BnL

O comércio da cidade sofre ainda mais na baixa estação. “Quando acaba o verão e os turistas vão embora, não vendemos quase nada. A prefeitura tinha que trazer mais turistas para o Conde”, reclama Jaíra Souza, proprietária de uma barraca de praia em Sítio do Conde. Já a vendedora de coco, Vilma Cardoso dos Santos, defende que o poder público local precisa investir em emprego para os jovens.

*Com Carlos Eduardo Freitas/BnL