“(…) Se todos aqueles que estão perto da morte pudessem ter essa certeza… A gente seria como o mais bonito dos pajés, o mais abençoado dos lamas, porque poderíamos dizer para nós mesmos: ‘Vai doer, vai doer para caralho. Mas não é o fim.’”
Vida radicalmente modificada aos 34 anos. Nove tiros lhe cravaram o braço, coluna e pescoço. Buscar paz e justiça social na militância social, poesias e músicas que compõe não foi o suficiente para manter distante a violência que tanto combateu. E combate.
Marcelo Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana, ou Marcelo Yuka, ativista, jornalista, produtor cultural e ex-baterista d’O Rappa, se viu na condição de paraplégico para o desafio de uma caminhada ainda mais intensa: renascer para sepultar o ódio. Em Não se preocupe comigo, escrito pelo seu amigo e jornalista Bruno Levinson, Yuka abre sua vida em detalhes, agradando a uns e, certamente, desagradando a outros. O livro, com 224 páginas, é uma publicação da Editora Sextante.
Levinson conduz bem a narrativa em primeira pessoa. O texto não tem compromissos com preciosismos retóricos. É um bate papo que o autor traduz em autobiografia. Seu compromisso é dar voz a Yuka. E o faz com maestria.
A infância em Campo Grande, os primeiros amores em Angra, onde viveu a adolescência, as bandas que ajudou a fundar, sua relação de carinho e admiração para com as mulheres. Lombriga, apelido que recebeu na adolescência, transita entre a confiança na sobrevivência quando as balas estilhaçaram seus sonhos, a vontade de pôr fim à vida e o soerguimento para uma nova perspectiva de existência.
A platina que oprime o nervo do braço e lhe causa dor física intensa não chega a superar à que manifesta quando recorda o rompimento com O Rappa. Acusa a banda para a qual compôs boa parte das canções e letras no início da trajetória de tê-lo abandonado num momento de intenso sofrimento. E vai fundo. Entende que o grupo se rendeu ao dinheiro e perdeu o conceito que buscou forjar na sua gênese. “O Rappa é um enorme mentira. Eu não posso fazer previsões, mas artisticamente acho que eles estão condenados”.
Candidato pelo PSOL a vice-prefeito no Rio de Janeiro na chapa de Marcelo Freixo, em 2012, Yuka conflui arte, espiritualidade e política não como substantivos e sim como verbos que podem ser conjugados ao mesmo tempo. Ser amigo comum do delegado Orlando Zaconne e do falecido traficante Marcinho VP não são extremos inconciliáveis para Marcelo Yuka. Amplia suas trincheiras de luta adicionando espiritualidade e mais amor, compreensão, perdão e compaixão a ponto de não desejar mal àqueles que o alvejaram.