Há dias, ao descrever as tensões crescentes entre as potências ocidentais e a Rússia, o ex-senador norte-americano Tom Hayden falou na emergência de uma II Guerra Fria. No novo cenário, previu ele, a mídia convencional dos EUA e nações aliadas vai aliar-se à política externa e às estratégias militares de seus respectivos países — até perder a independência. Um alvo central será o presidente russo, Vladimir Putin.
Seus defeitos serão ampliados, para que se converta num demônio. A ele serão atribuídos crimes sem comprovação alguma (como no caso da derrubada do avião da Malasian Airlines, em 20 de julho). Como na época da União Soviética, Moscou será apresentada como símbolo de restrição às liberdades e poder tirânico do Estado.
Na última quinta-feira, 07 de agosto, porém, ficou claro que não será fácil realizar esta operação de marketing político. O Ocidente terá dificuldades cada vez maiores de se dizer mais democrático que a Rússia. Putin sabe disso e parece disposto a explorar esta contradição. Num gesto calculado, Moscou decidiu que dará proteção a um dissidente perseguido por Washington.
Edward Snowden, o ex-contratado da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) que revelou a rede onipresente de espionagem militar norte-americana sobre os cidadãos, teve seu visto de permanência na Rússia prorrogado por três anos — extensíveis por mais três. Terá regalias: poderá deixar o país e regressar a ele durante três meses por ano. É algo que sua condição anterior (de asilado provisório) não permitia, e que, caso se concretize (há dúvidas quanto à segurança do ex-agente fora da Rússia) poderá ter imensa repercussão midiática.
A saga de Snowden começou em maio de 2013, quando ele deixou os EUA e foi para Hong Kong. Lá, vazou, para o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, arquivos secretos relativos à extensa operação de vigilância realizada pelos EUA e Inglaterra na internet. De lá, pretendia vir à América Latina, mas os EUA anularam seu passaporte e pediram sua extradição — acusando-o de roubar documentos oficiais. Snowden ficou retido, por cinco semanas, na zona de trânsito do aeroporto Sheremetuevo de Moscou. Fortemente pressionado, o governo russo hesitou, mas terminou concedendo-lhe proteção temporária, que expirou em 31 de julho. A extensão do benefício por três anos revela que o Kremlin está disposto a se manter firme, em seu confronto com a Casa Branca. E os que lutam por uma nova ordem mundial podem, em certas condições, tirar proveito desta disputa.
Em entrevista ao The Guardian mês passado, Snowden fez revelações sobre sua vida pessoal. Disse que se mantem solitário — porém, disposto. “Acho que existem pessoas que estão apenas esperando para me ver triste. Mas ela vãos continuar a se decepcionar”. Contou que paga suas contas trabalhando com tecnologia da informação e recebendo doações internacionais de uma legião de admiradores. Está envolvido no desenvolvimento de uma nova ferramenta voltada à liberdade de imprensa, que permite aos jornalistas se comunicar de forma mais segura. E estuda russo.
Washington pode estar se isolando. Mês passado, Navi Pillay, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos sugeriu que os EUA abandonem sua perseguição a Snowden, já que as revelações sobre a vigilância global são de interesse público e da comunidade internacional. Pillay creditou a Snowden todo o recente debate sobre a redução do controle dos Estados sobre a internet, a espionagem online e armazenamento de dados pessoais.
Em resposta aos jornalistas do The Guardian, o advogado negou que Snowden tenha tido contato com a inteligência russa ou que trabalhe, de alguma forma, para o governo. Quanto questionado sobre as especulações sobre a existência de um “novo Snowden”, ainda incógnito, o advogado Kucherena foi lacônico: afirmou que seu cliente poder ter inspirado “sucessores”, mas não está diretamente envolvido.
Snowden “comemorou” seu primeiro ano de asilo no Teatro Bolshoi, onde apareceu pela primeira vez publicamente desde que chegou a Rússia. Kurcherena garantiu que Snowden fará em breve uma conferência à imprensa russa, logo que seja possível.