Smartphones, tablets, aplicativos, redes sociais, televisão vinculada à internet. Os dispositivos de comunicação se multiplicam na velocidade de um clique e ocupam o centro da vida cotidiana, sobretudo nas grandes cidades. Basta olhar para o lado para ver pessoas com os dedos ágeis sobre a tela touch screen de celulares modernos.
Tamanha importância coloca novos desafios para uma área que, historicamente, no Brasil, ficou distante do centro do debate relacionado à atuação do Poder Público. Agora, “é preciso garantir que a comunicação seja pensada do ponto de vista da cidadania”, aponta o integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Sérgio Amadeu. Uma das questões-chave para isso, segundo Amadeu, será a regulamentação do Marco Civil da Internet, aprovado, em março deste ano, após meses de disputas no Congresso Nacional.
Nessa etapa, serão definidas as situações nas quais a neutralidade de rede, princípio que garante que todo conteúdo deva ser tratado igualmente na internet, poderá ser dispensada, bem como o artigo que trata da guarda de registros e acesso a aplicações na internet, que pode abrir a possibilidade para o armazenamento de informações dos usuários da rede por até seis meses. “Nós precisamos garantir que os princípios da neutralidade da rede, da liberdade de expressão, da navegação sem vigilância e do direito à privacidade sejam respeitados pelo Marco Civil”, afirma.
Se para parte da população brasileira são os direitos na rede que estão em questão, para outra, é o acesso que ainda se configura como um desafio. Por isso, o integrante do CGI.br aponta que a ampliação da infraestrutura necessária para levar acesso à rede mundial de computadores aos distintos recantos do país deve integrar a agenda política dos próximos anos.
“Nós precisamos ter uma infraestrutura compatível com as necessidades econômicas e culturais do país. Uma infraestrutura de conectividade das coisas, das cidades, das escolas, dos pontos de entretenimento”, diz.
Amadeu alerta ainda que não se trata de oferecer acesso de má qualidade para quem não está em áreas amplamente cobertas, como periferias e zonas rurais, as quais interessam menos às empresas investir. “Precisamos, na verdade, ter uma infraestrutura ampliada e compatível com as velocidades de transmissão e interação de dados que estão sendo utilizadas no mundo inteiro”, aponta.
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A internet, entretanto, não resume as questões do setor. Integrante do Coletivo Intervozes e da Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a jornalista Bia Barbosa destaca que o país vive um paradoxo no campo das comunicações. “Ao mesmo tempo em que vem crescendo, no Brasil, apesar dos obstáculos, o acesso à internet e às novas plataformas, não demos conta de uma agenda que é do século passado, mas continua atual, que é a da democratização dos meios de comunicação e da quebra da concentração da propriedade no setor”, aponta.
Essa democratização, segundo Bia, envolve a consolidação do sistema público de comunicação, o incentivo às ações midiáticas das próprias comunidades, a garantia da sustentabilidade desses meios e a promoção da diversidade no conteúdo veiculado na mídia. Tudo “para que mais vozes e opiniões possam ser conhecidas, porque quem faz o agendamento e media o debate público no Brasil, mesmo na rede, ainda são os mesmos grupos de comunicação”, destaca.
Algumas dessas medidas, para ela, podem ser tomadas desde já, como assegurar o financiamento público para rádios comunitárias e veículos alternativos, garantir transparência nas concessões públicas, já que elas possibilitam o funcionamento de todos os canais de rádio e televisão no país, e adotar medidas para o respeito e a promoção dos direitos humanos nos meios de comunicação.
Além disso, o FNDC defende que o setor precisa de um novo marco regulatório, tanto para assegurar essas demandas quanto para responder ao atual cenário, marcado pela convergência, já que a principal lei que organiza as comunicações é de 1962. Para tanto, o fórum coleta assinaturas em apoio ao Projeto de Lei da Mídia Democrática.
Leis mais específicas também são defendidas pelo professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Venício Lima. Ele aponta que, mesmo após 26 anos da Constituição Federal, os artigos que tratam do tema da comunicação não foram regulamentados. Um dos exemplos é o Artigo 220, que estabelece que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
Autor de diversos livros sobre políticas de comunicação, Lima avalia que o detalhamento da Constituição “seria um avanço importantíssimo”. Para ele, mesmo com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação, mantém-se atual a necessidade de se proibir a propriedade cruzada, impedindo que o dono de um canal de televisão tenha também, por exemplo, uma rádio. Segundo o especialista, países como a Argentina e o Uruguai caminham nesse sentido e aprovaram, nos últimos anos, leis que tinham o objetivo de romper monopólio.
Posição contrária é apresentada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Para o presidente da entidade, Daniel Slaviero, “falar em concentração de propriedade é uma pauta atrasada”, dada a convergência tecnológica. Ele acrescenta que há, no país, mais de 10 mil rádios entre comerciais e comunitárias e 14 redes de televisão de programação nacional, o que evidencia, segundo Slaviero, a diversidade do setor.
Perguntado sobre o desafio que o setor empresarial identifica no campo das comunicações, ele destaca a preocupação com a liberdade de imprensa, que considera ameaçada tanto por propostas de democratização da comunicação quanto por práticas de violência contra os jornalistas, bastante registradas desde junho de 2013.
Para os próximos anos, a entidade aponta que o desafio é garantir a transição da televisão para o sinal digital. Em 2016, 30% do sinal analógico será desligado, a começar por cidades como Brasília. Segundo a Abert, 70% da população brasileira já está coberta por sinal digital, mas há “o desafio de cobertura nos pequenos centros”. Ainda é preciso garantir que as pessoas que vivem em cidades de pequeno e médio portes não fiquem sem televisão, após a implantação definitiva da TV Digital.
Chegar aos lares de todos os brasileiros e participar das transformações tecnológicas são também desafios da comunicação pública, setor que agrega veículos educativos, universitários e comunitários, e que tem como maior expressão a Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Por isso, o processo de transição para o universo digital, marcado pelo intenso uso de tecnologias, é uma preocupação dos agentes desse campo. É o que aponta o presidente da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Pedro Osório.
De acordo com ele, emissoras espalhadas por todos os estados do país enfrentam “grande dificuldade de migrar para a tecnologia digital, seja por falta de recursos para a compra de equipamentos ou por falta de quadro técnico atualizado no sentido de viabilizar um projeto de digitalização”.
Para resolver a situação, ele defende políticas públicas voltadas a esse segmento, como o incentivo à formação tecnológica e a abertura de linhas de crédito específicas para a aquisição de equipamentos. Ainda sobre financiamento, ele diz ser necessário ampliar as formas de contribuição da sociedade na gestão e manutenção desses veículos, de modo que, além de serem sustentáveis, possam ser públicos.
Essa também é a preocupação da Frente Nacional pela Valorização das TVs do Campo Público (Frenavatec). Integrante da frente, Alice Campos defende a distribuição de verbas públicas regionalmente e também o fortalecimento da garantia de independência dos veículos. “Tem que haver total garantia de sua independência, se a proposta é mudar o processo e o entendimento sobre o fazer comunicação.”
Além disso, Alice aponta que, também nesse campo, há questões legais que devem ser enfrentadas, tanto para constituir padrões que organizem a comunicação pública, garantindo, por exemplo, participação da sociedade por meio de conselhos deliberativos, quanto para harmonizar leis que tratam do tema. Nessa revisão legal, de acordo com ela, a comunicação deve ser tratada a exemplo dos demais direitos constitucionais.
A importância desse setor, segundo Venício Lima, ainda precisa ser reconhecida pelo Poder Público e pela sociedade. Isso porque as televisões e rádios educativas, universitárias e comunitárias cumprem um papel importante por ofertar à população um conteúdo educativo, que não está sujeito às pressões do mercado e à busca pela audiência. “O sistema público forte e de qualidade é fundamental para você ter uma alternativa ao sistema comercial”, defende Venício Lima, lembrando que é necessário garantir financiamento, capacitação e autonomia.
*Agência Brasil