…Ou… Eu sou uma escrava para você?! Eu, escrava!? Eu sou uma escrava?! Eu estou escrava…

Versarei hoje sobre um belíssimo e doloroso filme que retrata a história de luta de uma mulher pela liberdade, quando submetida à dita escravidão moderna. Gosto muito de, primeiramente, pensar sobre a etimologia das palavras, pois elas muito dizem e, o próprio senso comum, cotidianamente afirma: a palavra tem poder! Por isto, resolvi iniciar refletindo sobre as diferentes nomeações possíveis para este filme: Eu sou uma escrava para você?! Eu, escrava!? Eu sou uma escrava!? Ou eu estou escrava? Considero que esta última nomeação representa a posição subjetiva da personagem principal, Malia. Posição esta que lhe guiou na existência. Ela jamais esquecera seu principado!

I Am Slave é um filme produzido para televisão em 2010 pelo canal britânico Channel 4 que conta a história da vida de uma mulher e sua luta pela libertação da escravidão moderna. | Foto:  Reprodução

I Am Slave é um filme produzido para televisão em 2010 pelo canal britânico Channel 4 que conta a história da vida de uma mulher e sua luta pela libertação da escravidão moderna. | Foto: Reprodução

Mudança na ordem das palavras, no contexto utilizado, na entonação ou na palavra dita traz impactos profundos e escondem saberes/poderes que merecem ser descortinados. Por isso, me pergunto: afinal, o que é ser escravo? Tenho alguma propriedade para falar sobre essa questão?

Segundo o site “consultório etimológico”, a origem da palavra seria “Do Latim SCLAVUS, ‘pessoa que é propriedade de outra’, de SLAVUS, ‘eslavo’, porque muitas pessoas desta etnia foram capturadas e escravizadas em outras épocas”. Já de acordo com o site Língua Estrangeira, “embora muitas pessoas associem a palavra ‘escravo’ à raça negra, a origem etimológica da palavra mostra que os escravos originais tinham a pele clara. O termo vem de slav, que designa um grupo étnico da Europa central e oriental que perdeu a liberdade depois que Carlos Magno tomou a região em que habitavam. A palavra original gerou ‘sclavus’ em latim medieval, que, por sua vez, deu origem a palavras semelhantes em várias línguas: slaveem inglês, esclavo em espanhol, esclave em francês e Sklave em alemão”.

Talvez, pensando na perspectiva pessoal e profissional, minha missão seja libertar libertando-me

Para além das questões etimológicas, que são polissêmicas, cabe pontuar que a experiência da escravidão nega por extremo a humanidade do outro e, em se tratando do presente filme, da menina mulher negra que foi tornada escrava. Aqui é necessário fazer o recorte de gênero e étnico-racial, pois desvela como a nossa sociedade patriarcal, machista e racista tem se estruturado ao longo do tempo. Variados movimentos sociais contra hegemônicos têm isto denunciado e anunciado transformações, pois não há denúncia sem anúncio, como frisou Freire!

O filme foi lançado em 2010, no Canadá, e tem a direção de  Gabriel Range. | Foto: Divulgação

O filme foi lançado em 2010, no Canadá, e tem a direção de Gabriel Range. | Foto: Divulgação

Portanto, falar de vida em sociedade e das questões relativas à escravização de pessoas, no tempo presente, é recordar que todo fenômeno é recortado pelas relações de poder assimétricas entre os gêneros masculino e feminino e entre brancos e negros, não querendo aqui problematizar a discussão além gênero e etnia/racialidade, já que somos recortados por múltiplas identidades

O filme tocou-me profundamente. Aliás, todas as questões referentes às ditas minorias sociais me causam estranheza, familiaridade, pavor, revolta e desejo de mudança. Ou, como dizia pejorativamente meu pai: “tudo o que não presta você gosta!”. Sintam o peso da palavra!

Como afirma a Bíblia “A morte e a vida estão no poder da língua”! A escravidão começa, portanto, no reino das palavras!

Lembro que, na infância, ao assistir A Lista de Schindler, soluçava silenciosamente no sofá de casa à noite, me deparando pela primeira vez com o que há de mais belo e repugnante no ser humano. A beleza de quem arrumou um jeito de salvar outros humanos e a feiúra que era ver o que outros tantos humanos eram capazes de fazer. E aqui pontuo que não se trata de um comportamento patológico, mas atitudes diárias de outros semelhantes como nós que não reconheciam o outro como sujeito de direitos. E por falar em direitos, longos foram os anos para que hoje pudéssemos falar que somos sujeito de direitos.

…Corremos um sério risco de estarmos na condição de escravidão e esta é sutil, pois acontece de várias maneiras. A prisão pode ser bem familiar…

A pessoa em situação de escravização não é considerada sujeito de direitos, mas objeto de uso de alguém, como acima afirmamos. Ou, na fala de uma personagem: “Aqui você não é nada!”, “Você não existe sem mim”! Assisti esse filme reavivou em mim, em tempo de férias, o que considero como uma de minhas missões na vida presente: possibilitar ações que promovam libertações em mim e no outro. Rezam os direitos humanos que nascemos livres e iguais, mas em se tratando de nossa realidade, a depender do lugar em que nascermos, corremos um sério risco de estarmos na condição de escravidão e esta é sutil, pois acontece de várias maneiras. A prisão pode ser bem familiar…

Uma cena que também me marcou foi ver uma das personagens submetendo Malia que, por sinal, nunca se esqueceu de suas origens e de seus pais que foram quem lhe deu um lugar de honra na existência. E, ao ver esta cena, recordei-me do dito “somos vítimas algozes”. Quais papéis cotidianamente desempenhamos?

Parafraseando a música de Pitty “Admirável chip novo”, penso que Malia nunca esqueceu o seu lugar de sujeito e buscou, de todas as formas, reencontrar os seus reencontrando-se. Não assumiu passivamente a posição de muitos que prontamente dizem: “não senhor, sim, senhor.” Creio que, apesar das intempéries, ela sempre foi senhora de si. A despeito das dores e dos “cortes” sofridos, jamais abdicou de suas lembranças e de si mesma!

Talvez, pensando na perspectiva pessoal e profissional, minha missão seja libertar libertando-me, pois a força do coletivo é incomensurável. A mesma é capaz de ressignificar a história e mudar os rumos da vida. E sabe onde essa força está e de onde advém? Está em mim e você, pessoas comuns que reconhecemos que há sempre um sujeito!

E… mais ainda… parafraseando Pitty, em uma outra música: busquemos, dentro de nós, os nossos lares! Malia, nosso exemplo, jamais esqueceu da sentença Paterna: Você é uma princesa! Somos, querid@s, princesas! O Gênero é intencional…

Assista ao filme: