O dia não foi fácil! Corre, corre, a reunião que não deu certo, stress do trabalho e outras peculiaridades do dia-a-dia de qualquer cidadão brasileiro. Pego então um transporte público, um buzú, para ser mais claro! A primeira impressão é que será mais um trajeto sufocante, com pára pára nos pontos, lotação excessiva etc. Até que, inesperadamente…
– Pessoal! Ô pessoal! Boa Tarde! Não precisa fingir que tá dormindo não, pessoal! Trago boas notícias pra vocês! Ô pessoal, são as deliciosas e medicinais balas de gengibre! Previne o pigarro na garganta, rouquidão, desentope as narinas e previne contra a gripe e o resfriado! Atenção que vou falar o preço, pessoal! É dez!!! Calma, calma! Não precisa pular a janela não, pessoal! Não é 10 reais, não é 1 real, é apenas 10 centavos, pessoal! Ô loirinha, não precisa fingir que tá dormindo não! É só 10 centavos! Preciso comprar o “Mucilon” da minha criança, pessoal! Se você me ajuda, a miséria do país diminui, pessoal! Ô pessoal,…
Com uma voz impostada, quase um locutor radiofônico, Ezequiel Silva, arrancou muitos sorrisos dos passageiros daquele ônibus que peguei. Era sábado ensolarado em Salvador. Depois de Ezequiel, muitos outros “propagandistas” entraram também. Todos eles com aquela palavrinha-chave: “pessoal”!
Essa é uma
atividade que tem se firmado no contexto citadino da capital baiana. Os baleiros tornam a viagem de muita gente estressada, agradável. Tabuleiros de madeira ou improvisados com caixas de papelão, baldes transparentes – para que os seus produtos sejam visualizados como numa vitrine, ou apenas trouxinhas feitas com sacos plásticos; essas são as formas que os eles criam para carregarem as suas guloseimas. Os baleiros desenvolvem toda uma técnica de dicção, uma linguagem própria que facilita a venda dos seus produtos.
– Primeiro precisamos saudar o motorista: “Bom dia ‘motô’!”. Depois,… “Bom dia pessoal! Desculpa interromper o silêncio da viagem, pessoal! Olha pessoal, eu tenho as refrescantes pastilhas de hortelã, a goma de eucalipto medicinal. Na concorrência tá por R$ 0,50 na minha mão tá por R$ 0,30, pessoal”! O melhor preço é a linguagem do baleiro!
Uma outra palavra-chave muito utilizada pelos baleiros é: “promoção”! Essa foi a explicação do baleiro Márcio dos Santos. Ele vive desse emprego informal, assim como milhares de outros baleiros de Salvador.
– Falar que os produtos estão em promoção convence o pessoal. Nós damos indicações farmacêuticas, características do produto, fabricante etc. Nós mesmos que construímos a nossa narrativa para vender os produtos.
Então, curioso, eu o questionei:
– Mas, de que forma? Vocês têm uma referência na TV ou no rádio, para compor as suas propagandas? Márcio então me respondeu tranquilamente:
– Nada de referência, irmão! Atrás da embalagem de cada produto vêm as suas indicações, composição e dicas. Nós as lemos, e, a partir disso, fazemos as nossas propagandas. Ah! E nos preocupamos com a validade dos produtos também. Não vacilamos com isso!
No Buzú…
– Às vezes, fico sem graça no ônibus, pois alguns baleiros falam: “Ah pessoal! Vocês não precisam fingir que estão dormindo. Eu quero apresentar os meus produtos promocionais”! Mas, acho que eles são bem criativos. Quer dizer, nem todos. Alguns só falam: “Baleiro, baleiro, baleiro,…”! Outros falam da situação social: “Eu sou um pai de família, tô desempregado,…”! Eu presto atenção no jeito como eles se expressam.
Carina de Almeida Souza, estudante de Serviço Social, utiliza o
transporte público diariamente para ir à faculdade, na Federação. Assim como ela, a estudante de Terapia Ocupacional, do Instituto Baiano de Medicina, Aline Alencar, utiliza todo dia esse meio de transporte. Ela observa que alguns baleiros incomodam, pois ela vai muito cedo para a faculdade.
– O que eu mais encontro no ônibus são os baleios. Eu tampo os ouvidos e vou dormindo. Eles me estressam. Alguns falam “errado”. Talvez para nos comover e podermos comprar. Porém, têm outros que falam de forma “sofisticada”. Isso demonstra zelo. Eles passam que, de fato, o baleiro é um profissional sério. Acabo comprando algumas balas. Fico com dor na consciência e compro para ajudar.
E o lucro???
Alguns baleiros ganham R$ 600 por mês, com a venda das doces. É por isso que “baleiro de verdade não quer deixar de ser baleiro”. Eles fazem seu próprio horário, não recebem ordem de nenhum patrão e ainda criam suas próprias estratégias de marketing. Além do mais – e isso é unanimidade para aqueles baleiros que encontrei, eles não têm problemas com assaltos.