Amplamente divulgado no campo da educação, Encontrando Forrester foi lançado em 2000, sob a direção de Gus Van Sant. Tendo roteiro assinado por Mike Rich, a produção põe diversas questões educacionais à baila: a educação formal, a gestão do conhecimento na produção de textos, o fio nem um pouco tênue entre os professores que se dizem tradicionais e as novas gerações, bem como uma representação ilustre do que Paulo Freire chamou de educação bancária.
As questões serão explicitadas ao longo da reflexão, entretanto, cabe aqui fazer uma apresentação do enredo, dos personagens e dos elementos formais que compõem a narrativa. Ovacionado pela crítica e premiado nos principais festivais e noite de cerimônias da indústria cinematográfica, o filme é um marco na carreira do diretor Gus Van Sant, um profissional gabaritado desde o sucesso de Gênio Indomável, outra obra-prima que toca nas cordas sensíveis da relação entre mentor e aprendiz, lançado em 1997.
No filme, Jamal Wallace (Leonardo Campos) é um jovem de 16 anos da periferia. Ao apresentar boa desenvoltura nos estudos, consegue realizar um dos seus sonhos, ou seja, estudar literatura em uma instituição renomada. Tudo fica mais lúdico ao conhecer o escritor William Forrester (Sean Connery), uma lenda viva dos estudos literários nos Estados Unidos.
O rapaz vive no Brooklyn, uma região que o próprio cinema estadunidense nos ensinou ser um reduto de poucas esperanças. Ao conviver próximo dos índices de criminalidade, Jamal Wallace esforça-se para fazer o diferencial e não se tornar estatística. Ele domina de forma substancial o recurso da escrita, mas para sentir-se integrado ao meio em que vive, prefere ser reconhecido pelos seus dotes esportivos, haja vista que é um exímio jogador de basquete.
Enquanto o roteiro não faz a mágica para que conheçamos os dois, somos apresentados, através de uma ótima montagem alternada, assinada por Valdis Oskardóttir, ao escocês William Forrester, um escritor que ganhou o Pulitzer com um romance há 40 anos e depois disso tornou-se uma pessoa reclusa em seu apartamento, sem produzir mais nada.
Certo dia, o destino vai unir os dois personagens tão antagônicos. Durante uma partida de basquete, a bola vai parar no apartamento de Forrester. Apesar de todos ali estarem curiosos para saber quem é o misterioso homem que às vezes avista, através de sua “janela indiscreta”, os rapazes a jogar, cabe a Jamal a tarefa de recuperar o instrumento para continuidade dos jogos. Inicialmente pouco receptivo, Forrester vai conhecer o jovem através de camadas homeopáticas, travando uma das amizades mais belas já registradas pelo cinema contemporâneo, principalmente se observada sob o trabalho musical de Bill Brown, orquestrado na condução da narrativa.
O contato torna-se positivo para ambos: Jamal passa a melhorar a sua escrita. Já no que diz respeito ao blindado Forrester, percebemos que este começa a dar os seus primeiros passos para lidar com uma geração totalmente distinta, o que o torna um tanto menos recluso e (um pouco) menos ortodoxo ao pensar os cânones como a única possibilidade de literatura.
Jamal é colocado no caminho entre a informação e o conhecimento. Daí, retornamos ao preâmbulo do nosso texto, tendo como base o poema de T. S. Elliot: há diferença entre informação e conhecimento? No filme, a elaboração de textos está ligada ao compartilhamento de experiências, informações e conhecimentos como estímulo à produção textual. Diante da encruzilhada entre informação e conhecimento, Jamal precisa saber gerir os dados para levar adiante a sua escrita. Utiliza a informação como material para dar ênfase ao seu processo de descoberta e transmissão do conhecimento.
Em seu percurso com Forrester, Jamal é levado a descobrir a importância de citar as fontes e autores na produção de textos. Neste processo, ele também aprende que a informação pode ser considerada como estoque para a produção de conhecimento. Em um dos momentos de embate de gerações, Jamal questiona os métodos de Forrester, pois considera as suas regras rígidas e arcaicas na composição de textos. Inicialmente pouco receptivo, o mentor mantém-se mais aberto à compreensão do ponto de vista do aprendiz. No entanto, o mentor deixa claro: para escrever é preciso deixar fluir as emoções e sentimentos. Logo depois vir e aplicar as técnicas devidas.
Ao ser transferido da escola, Jamal é constantemente desafiado por seu novo professor de literatura. Seguindo a linha tradicional, acumula leituras e atividades pouco ligadas ao que os estudantes contemporâneos necessitam. Típico de profissionais formados em uma tradição literária ortodoxa, o professor dá pouca importância às necessidades dos estudantes. Ele precisa exibir as manifestações do seu ego inflado.
Esse mesmo professor exala preconceito social ao perseguir Jamal. Tudo piora após um incidente que ocorre durante uma discussão bastante tensa na sala de aula. Jamal é colocado na parede pelo professor, tendo de responder as mais complexas perguntas no âmbito dos estudos literários. O resultado é magistral e considerado insolente, o rapaz começa a ser perseguido pelo professor, um homem que se torna obcecado em descobrir falhas ou plágios nas produções literárias do estudante, sendo estas apresentadas como requisito parcial para a aprovação na escola.
Quando o professor tradicional revela as suas práticas de ensino de literatura, o filme denuncia o que no Brasil, Paulo Freire chamou de vasilhame. Mas o que é isso? Basicamente um sistema que expõe que o professor ocupa o lugar central e o aluno exerce o papel passivo e age como mero receptor estático, um recipiente para os depósitos intelectuais do “mentor”.
Outro ponto crucial é a revelação que o filme nos faz durante toda a sua exibição: qual a função da escola, quais as diferentes formas de promover a aprendizagem e quais os mecanismos possíveis para uma melhor relação entre professores e aprendizes. Sabemos que a relação dos estudantes com a informação e o conhecimento ultrapassa os limites físicos da escola. Há conteúdo nas ruas, no shopping, nos vídeos e aplicativos dos celulares, dentre outros meios de transmissão de conhecimento. Os professores que não se atém a esta realidade sabem as dificuldades que encontram em suas práticas na sala de aula.
Em 1934, T. S. Elliot publicou The Rock, um poema que pode ser considerado um corolário da contemporaneidade. Na obra o escritor lançou a seguinte questão: “onde está o conhecimento que perdemos com a informação?”. Isso nos leva a um dos pontos cruciais do filme: diferente do que era comum nas gerações anteriores, a aula não é mais centralizada no professor, dono do conhecimento. Apesar da hierarquia administrativa nas instituições, o profissional ainda ocupa o espaço de poder para reprovar, punir ou guiar os estudantes à sua vontade, mas no que diz respeito aos temas debatidos em sala de aula, muitos se encontram perdidos quando alguns estudantes chegam cheios de informações e detalhes que antes eram de domínio apenas do professor. Configuração dos novos tempos que em Encontrando Forrester não é discutido diretamente, pois o filme não faz menção a essa relação com a tecnologia, entretanto, no desenvolvimento da história, podemos utilizar esta alegoria para fazer as devidas ligações com o nosso presente.
Além destas questões, há no filme a pressão para que os acadêmicos literatos produzam mais, numa representação bem elucidativa do publish or perish, algo muito comum na cultura acadêmica atual. Em busca de prestígio e de salários melhores, bem como um pouco de brilho na prateleira de vaidades de muitos profissionais de ensino superior, há uma demanda por produções à qualquer custo, mesmo que sem a devida qualidade, tanto do texto quanto da saúde destes indivíduos que muitas vezes se frustram ou entram em depressões profundas por não conseguirem alcançar as metas estipuladas pelas instâncias de avaliação do desenvolvimento dos profissionais de ensino.
Encontrando Forrester reforça a ideia do cinema como artefato cultural que produz representações, haja vista a capacidade do filme em nos fazer pensar sobre as celeumas que se arrastam ao longo de nossa atuação como profissionais do ensino. Em suma, a produção é modelar ao nos oferecer uma fatia de representação do que acontece ainda hoje em muitos redutos educacionais: professores exercendo a sua “microfísica do poder” em estudantes que ousam desafiar as suas metodologias, entretanto, de forma bastante romântica e elevada, oferta o outro lado da “moeda”, ao representar um choque de gerações através da evolução de dois personagens de mundos tão distintos.