CAPÍTULO II | Com 14 anos de idade, comecei a trabalhar para ajudar nas despesas, fiz de tudo um pouco: Vendi goiabas na frente do mercado, trabalhei na roça fazendo a colheita do milho e feijão, trabalhei em uma casa de farinha, em uma casa de fazer linguiça, fui babá, fiz faxina em uma colônia, onde residiam quatro engenheiros agrônomos… A necessidade não me permitia ter preguiça.

Mercado aberto de Ribeira do Pombal/BA. | Foto: Reprodução Web

Mercado aberto de Ribeira do Pombal/BA. | Foto: Reprodução Web

Tornei-me uma adolescente bonita com jeito de mulher, um tanto ingênua, confiava muito nas pessoas. Minha mãe me alertava dizendo que não era assim que o mundo funcionava e por duas vezes vivenciei de fato esse alerta. A primeira vez foi por conta das tantas casas que morávamos de aluguel. Foi assim…

Era dia de pagar o aluguel, mas meu pai ainda não tinha o dinheiro, então ele me mandou ir até a casa do proprietário para que eu pudesse explicar que, assim que tivesse o dinheiro ele trataria de pagar o que devia. Quando cheguei à casa do proprietário, ele estava sozinho, mandou eu entrar, contudo não o fiz, fiquei na porta. Expliquei toda situação do meu pai, foi aí que ele disse que não era necessária tanta preocupação, pois ele tinha uma solução bem melhor, bastava eu “ficar” com ele de vez em quando e pronto, não precisaríamos mais nos preocupar com o aluguel da casa. Ele se encarregaria de não deixar a mulher dele nunca saber.

Deus do céu! Fiquei tão envergonhada com tal proposta… Fui embora sem conseguir dizer uma palavra. Meu coração ficou cheio de tristeza. Chegando em casa contei tudo para meu pai e na mesma hora ele, muito irritado, foi até a casa do sujeito. Quando o autor da proposta indecorosa nos viu chegando, ficou completamente pálido de susto. Meu pai, muito nervoso, começou a falar alto, o dono da casa pediu que ele falasse baixo, pois sua esposa já estava em casa; pai não se fez de rogado, chamou a mulher e contou tudo que se passou, contou sobre a proposta indecente que o marido dela havia feito a mim. Aquele homem, em uma tentativa de se safar, disse que era tudo mentira minha, que eu tinha inventado para livrar meu pai da dívida do aluguel. A mulher o mandou calar a boca, pois sabia o safado que ele era.

Ela, envergonhada, nos pediu desculpas pela falta de respeito do marido e liberou meu pai do aluguel daquele mês, mas meu pai não aceitou; na mesma semana conseguiu o dinheiro, pagou o aluguel e entregamos a casa.

Com 15 anos de idade, vivenciei outra situação ainda pior, triste e humilhante. Aconteceu da seguinte maneira:

Um primo do meu pai, que morava em Jeremoabo e era dono de um hotel-bar, estava de visita aos parentes de Pombal e foi visitar meu pai. Percebi que ficava me observando.

Jeremoabo/Ba. | Foto: Reprodução Web

Jeremoabo/Ba. | Foto: Reprodução Web

Ele perguntou se eu estudava, se gostava de ler, se eu escrevia bem… Respondi que sim, toda contente, foi aí que ele falou para meu pai que estava precisando de moças para trabalhar no hotel-bar na parte de atendimento aos clientes. Como eu sabia ler, tinha ótima aparência, seria oportuno esse emprego, eu iria ganhar bem, seria uma ótima oportunidade para ajudar em casa. Se meu pai permitisse, ele se responsabilizaria por mim e no final de cada mês eu receberia meu pagamento e iria pra casa passar o fim de semana. Quando ele me perguntou se eu queria trabalhar para ele, respondi que sim sem nenhuma dúvida, queria um bom emprego para obter dinheiro suficiente para comprar minhas coisas e ajudar em casa.

Meus pais permitiram sem receio, pois até então esse parente era uma pessoa confiável. Em nenhum momento houve o questionamento de como uma adolescente poderia ganhar bem trabalhando em um hotel-bar, não se percebia nenhuma má intenção.

Minha mãe preocupou-se com meus estudos, se eu iria abandonar a escola. . Falei que trabalharia por um ano e juntaria dinheiro para comprar uma cama, uma penteadeira, roupas bonitas para minhas irmãs Vera e Vilma e uma boneca para Cida, minha irmãzinha caçula; depois continuaria com os estudos. Arrumei a mochila e fui embora, toda contente e sem medo do futuro.

Chegamos a Jeremoabo a noite, a partir daí as coisas começaram a ficar estranhas, não fui levada para a casa dele, fui levada diretamente para o hotel-bar, que ficava um pouco fora da cidade.

Ele começou a explicar qual seria minha função; eu teria que dar “atenção especial” para determinados clientes (fazendeiros da região) eu seria bem paga por essa “atenção especial”. Meu susto foi grande, entendi na hora que teria me prostituir, esse era meu “emprego”. Fiquei sem ação, não conseguia falar nada, o medo e a tristeza me fizeram perder a voz.

Ele me mandou dormir, que pela manhã me explicaria como eu deveria agir. Não consegui dormir direito, pois o medo e ansiedade tomaram conta de mim, acordei cedíssimo ouvindo vozes de duas pessoas falando que tinha chegado uma putinha nova e bonita para trabalhar no hotel, entendi que estavam falando de mim, comecei a chorar, eu não era e nem jamais seria uma puta.

Quando ele veio me chamar para tomar café e conversar, fiz um verdadeiro escândalo, chorando alto e falando nervosa que ele tinha me enganado e enganado meus pais. Acreditei que iria trabalhar honestamente, eu jamais faria o que ele queria que eu fizesse, eu não faria por nada nesse mundo! Falei que queria ir embora naquela mesma hora e se ele não me levasse eu era capaz de ir a pé para Pombal, mas não ficaria ali.

Ele ficou agoniado e falou zangado que queria somente ajudar minha família e isso só dependia de mim. Disse ainda que não havia nada demais em ganhar dinheiro dando “atenção” a alguns homens. Um absurdo! Ele queria determinar o meu futuro, filha pobre, sete irmãos, os pais não podiam proporcionar conforto, então para ganhar dinheiro tinha mais que vender o meu corpo de adolescente para adultos obscenos.

Ele entendeu através do meu desespero que não tinha como me obrigar, então chamou um empregado, mandou que me levasse à rodoviária e comprasse uma passagem de volta à Ribeira do Pombal.

Igreja de Ribeira do Pombal/BA - Zona Urbana. | Foto: Reprodução Web

Igreja de Ribeira do Pombal/BA – Zona Urbana. | Foto: Reprodução Web

Ao chegarmos à rodoviária, essa pessoa comprou a passagem, me deu e foi embora. Fui perguntar ao vendedor o horário do ônibus e ele me informou que só haveria ônibus para Ribeira do Pombal às 05h da manhã do dia seguinte. Nessa época, para qualquer cidadezinha, só tinha um único horário de ônibus, as pessoas ainda viajavam pouco.

Fiquei mais triste e muito preocupada, pois teria que passar o dia e a noite exposta naquela pequena e suja rodoviária. Eu estava com fome, suada, necessitava de um banho, pois estava menstruada. Procurei ficar calma para não chamar atenção, mas logo fiz amizade com um jovem casal que lanchavam na pequena lanchonete da rodoviária. Eles me perguntaram de onde eu era e o porquê deu estar sozinha ali. Contei o que havia acontecido e eles ficaram indignados, foi aí que se prontificaram a me ajudar, fique tão feliz! Fui para casa deles, tomei banho, ela me deu uns paninhos, como disse antes, eu estava menstruada e naquele tempo acho que não tinha absorvente, se tinha eu nunca havia visto. Para minha felicidade fiz uma deliciosa refeição e eles me informaram que, pela manhã bem cedo, iriam à Ribeira do Pombal se matricular na Escola Agrícola e me dariam uma carona.

O rapaz ainda fez a gentileza de ir até a rodoviária ver se o vendedor devolvia o dinheiro da passagem, ele devolveu com desconto.

À noite eles me levaram a uma discoteca onde nos divertimos pra valer, meus medos passaram, eu estava com pessoas do bem.

Pela manhã viajamos para Pombal, eles me deixaram em casa, agradeci muito e disse que jamais esqueceria o que eles fizeram por mim.

Quando meus pais me viram tomaram um grande susto, sem entender essa volta repentina e com pessoas estranhas. Expliquei tudo que aconteceu, minha mãe chorou, meu pai ficou muito triste e jurou tomar providências contra o mau caráter do primo, mas esse sujeito nunca mais apareceu um Pombal.

Ribeira do Pombal/BA - Zona Rural. | Foto: Reprodução Web

Ribeira do Pombal/BA – Zona Rural. | Foto: Reprodução Web

Com 17 anos de idade conheci Carlos, um jovem de 21 anos, responsável e trabalhador; ele trabalhava na empresa de ônibus São Geraldo como despachante de tráfego. Me conquistou de cara, foi amor a primeira vista! No início, minha mãe e Pupa (meu irmão) implicaram muito, principalmente porque Carlos não era da cidade, mas eles perceberam logo que se tratava de um rapaz honesto e queria um namoro sério comigo.

Após trabalhar cinco anos como gari, minha mãe conseguiu outro emprego, ela foi contratada pela DIREC, um órgão do governo que trabalha em comunhão com a Secretaria Estadual de Educação. Mãe foi contratada para trabalhar de zeladora e merendeira da Escola Estadual Rui Barbosa.

Ser contratada pelo estado foi um presente da esposa de um deputado, filho do prefeito Ferreira Brito. Essa jovem senhora tinha um carinho ímpar por minha mãe e se prontificou a nos ajudar, além do emprego, ela também mandou construir na área da escola, na parte dos fundos, uma casa para minha mãe, uma linda casinha, com varanda, onde mãe plantou lindas roseiras e outras flores que não lembro os nomes. Enquanto mãe fosse funcionária do estado moraria nessa casa tranquilamente, sem nenhuma despesa como conta de água e luz.

Foi maravilhoso, saímos do aluguel. Nos finais de semana minha irmã Vera e eu ajudávamos nossa mãe a varrer e lavar toda escola e a varrer os pátios cheios de árvores, a escola era (é) muito grande, mãe não podia limpar sozinha.

Minha mãe passou a ganhar um salário digno e todas as regalias que o estado oferecia a seus servidores, verdadeira vitória, passamos a viver melhor com mais dignidade e um pouco de conforto. Mãe comprou televisão, geladeira, fogão a gás, meu pai comprou um botijão e um rádio-radiola. Nunca mais passamos fome e minha irmãzinha caçula Cida, que já tinha sete anos, teve uma vida melhor que a nossa na infância, graças a Deus e ao merecimento das duas pessoas mais corretas, corajosas e dignas que já conheci nesse mundo: Minha mãe Alice Maria e meu pai José Joviniano.

Eu comecei a trabalhar como ajudante de farmácia na Farmácia Aragão, que continua até hoje sendo a farmácia tradicional de Ribeira do Pombal.

Comecei a fazer supletivo à noite, porque eu estava atrasada nos estudos, pois sempre parava de estudar para trabalhar.

O meu namoro com Carlos continuava firme e forte.

Continua…