“Não há o desejo de controlar as pupilas. Há o desejo de dilatá-las para que o público consiga ver para além da forma”, pondera o ator Jones Mota…
Há 7 anos o Núcleo Viansatã de Teatro Ritual – formado por artistas oriundos da Universidade Federal da Bahia –movimenta-se em torno do banquete ao Caos, inspirado na filosofia cruel do dramaturgo francês Antonin Artaud. Desde o dia de sua criação, uma noite libriana, o grupo tem se alimentado de histórias que versam a respeito de paixões devoradoras e realiza investigação continuada sobre o cruzamento de rituais sagrados e energia sexual como motriz de criação compartilhada.
Seu próximo espetáculo, A Danação de Tristão e Isolda – Capítulo I, evocará a trágica paixão do casal de tempos medievais que inspirou diversas narrativas de amor pelo mundo. A encenação se iniciará ao ar livre – no chão de pedras centenárias do Largo Cruzeiro de São Francisco, no Pelourinho – e tratará do mito de Tristão e Isolda. Em seguida a antiga história ganha seu Duplo, uma adaptação viansatãnica envolta em enigmas e mistérios, que acontecerá dentro da Bouche de L’Enfer – sede do grupo localizado no número 21, no mesmo Largo.
A peça ficará em cartaz a partir do dia 30 de agosto até 13 de outubro, sempre às terças, quartas e quintas-feiras, 20h00. A temporada integra o projeto “Ciclos de Contágio Teatral – Manutenção do Núcleo Viansatã”, contemplado pelo Edital de Apoio a Grupos e Coletivos Culturais 2014 da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), vinculada à Secretaria de Cultura (SECULT), financiado pelo Fundo de Cultura (FCBA) e Secretaria da Fazenda do Estado (SEFAZ-BA).
O ator e sacerdote do Viansatã, Jones Mota – que interpretará Marc (Rei de Cornualha), adianta que quem subir as escadas da Bouche estará escolhendo beber da poção que explodirá o universo do mito de Tristão e Isolda em imagens, sabores e aromas. “É um convite para navegar por fractais do mito, em que a nau é a própria poética do Viansatã e o tesouro, a Danação. Não há o desejo de controlar as pupilas. Há o desejo de dilatá-las para que o público consiga ver para além da forma”, pondera.
Mito
A lenda conta a história do jovem cavaleiro Tristão, que recebeu de seu tio, o Rei Marc, a missão de buscar em outras terras sua futura esposa, a princesa Isolda. Durante a viagem, Tristão e Isolda bebem inadvertidamente de uma poção de amor e se apaixonam de forma irreversível. Mesmo Isolda casando-se com o rei e Tristão servindo seu tio e senhor, não conseguem conter a paixão avassaladora que os toma e vivem em segredo um caso de amor que os leva à morte em circunstâncias cruéis.
Para a encenadora e dramaturga do Viansatã, Amanda Maia, “há em Tristão e Isolda uma grande janela para a discussão sobre as consequências do desejo e sua concretização. Os meandros ardilosos em que os amantes estão inseridos não são capazes de impedir a realização da vontade, ainda que isso os conduza à morte”.
É sobre esse mito que trata a primeira parte de A Danação de Tristão e Isolda, e será contado pelo Mestre de Cerimônias ao público que estiver presente no Largo do Cruzeiro de São Francisco. Quando o fim parecer provável, o Mestre de Cerimônias fará o convite àqueles que desejarem subir escadas da Bouche de L’Enfer para que assistam a “tempestades no fundo do mar”, onde vive um outro Tristão, uma outra Isolda, um outro Marc, bruxas e deusas.
Releitura
A adaptação viansatãnica apresenta novas encarnações dos personagens: o guerreiro Tristão vira o padre da Paróquia de Santa Brígida e o Rei Marc é um grande empresário, dono do cabaré onde vai trabalhar Isolda, agora uma misteriosa cigana. A poção do amor, responsável por fazer Tristão e Isolda apaixonarem-se perdidamente, se faz presente como mulher, a personagem Belladona, beata da paróquia de Tristão.
A Lua, por sua vez, também é apresentada em livre interpretação, personificada como cantora do cabaré de Marc, que contribuirá profundamente para a paixão de Tristão e Isolda. O reino da Cornualha, local da história medieval, se torna uma rua cheia de contradições; bares, altares, vitrais e quartos que formam um caleidoscópio onde a narrativa da danação dos amantes verte-se em um acontecimento impremeditável, cíclico (que não tem início-meio-fim) e episódico.
Amanda Maia realça que a história é cheia de “espaços aerados e inconclusos, metáforas abertas e metonímias como todo quebra-cabeça que se preze” e foi dessa forma que o grupo fez suas escolhas de encenação.
Intérpretes
A atriz e sacerdotisa Juma Mascarenhas, que viverá a Poção, explica que “a nossa danação foi e sempre será a paixão que nos corrói e nos move. O Viansatã é viciado na paixão exposta como vísceras, carne crua pulsante, sangue latente nos olhos. Embarcamos juntos nesse mar, ora aberto, ora fechado, chegando sempre a novos inícios”.
Apesar de ter sido a história escolhida para iniciar a sua trajetória, o Viansatã passou por um processo de sete anos de pesquisa e antes de A Danação de Tristão e Isolda –Capítulo 1, já encenou Lumus (2012-2013) e Cirque por Julieta, uma Rapsódia Viansatãnica (2014-2015), este último inspirado na história de William Shakespeare.
Por ser um grande manancial de suas investigações artísticas, o grupo se comprometeu a realizar ainda o Capítulo 2 e 3, tornando esse o ponto inicial de uma trilogia. “Nossa história é como uma gestação. Cada momento que passamos dentro e fora do grupo foi para sermos quem somos agora neste espetáculo, no meu caso, a Poção: doce, quente e líquida mulher que me tornarei para enamorar os desejos malditos”, explica Mascarenhas.
Serviço
O quê? Espetáculo A Danação de Tristão e Isolda – Capítulo 1
Quando? 30 de agosto a 13 de outubro de outubro, às 20h00
Onde? Bouche de L’Enfer – sede do Núcleo Viansatã de Teatro Ritual, localizada no Largo Cruzeiro de São Francisco, 21, 1º andar, Pelourinho
Entrada? Franca