Quem chega ao bairro de Valéria pela BR-324 pode observar, nas placas distribuídas pelo local, que Salvador começa ali. Sua privilegiada posição geográfica (entre a capital baiana e Simões Filho) o coloca, inclusive, como importante rota industrial e logística.

Valéria teve origem a partir do desmatamento de três fazendas existentes no bairro. Hoje, um outro crime ambiental tira o sono dos moradores: o despejo de entulho e de lixo por meio de caçambas, em área de preservação.

A reportagem do Bahia na Lupa esteve no local neste domingo, 13 de novembro, e constatou o problema de perto. Por volta das 11h, à plena luz do dia, um caminhão se aproxima de um grande barranco. O condutor do veículo, sem camisa, estaciona e desce. Em seguida, olha rapidamente para os lados. Como ninguém o repreende, retorna à cabine para então executar o despejo dos resíduos sólidos.

“Isso tem sido assim nos últimos meses, diariamente, ninguém faz nada”, denuncia um morador que pede para não ser identificado, com medo de represálias. O despejo de entulho e lixo pode ser flagrado a partir de uma casa situada na região da Transsucata, passando o centro de distribuição da Ambev. Do outro lado são feitos os despejos, que recaem sobre uma fonte de água – que antes era limpa e cristalina. Atualmente, uma grande quantidade de espuma se concentra no local. No entorno da pequena cachoeira há ainda resquícios de Mata Atlântica.

Antes, o local rico em biodiversidade era bastante frequentado por adeptos do candomblé, pois há um terreiro a poucos metros da fonte. A religião de matriz africana tem extrema ligação com os elementos da natureza. Contudo, os despejos de entulho e lixo inviabilizam a utilização tanto da água como da mata. Para agravar ainda mais a situação, uma casa está situada abaixo do barranco e corre, cada vez mais, o risco de ser soterrada, devido ao uso constante do solo.

A falta do nome da empresa e do responsável pelos entulhos dificulta a denúncia de parte dos moradores da região. O Bahia na Lupa tentou entrar em contato com a Limpurb (Empresa de Limpeza Urbana do Salvador) e com órgãos da Prefeitura neste domingo, mas ainda não obteve retorno.

Despejar resíduos em locais impróprios é crime, segundo a lei municipal 8512/2013, regulamentada pelo decreto 25595/2014. O artigo primeiro destaca que “ficam os proprietários de estabelecimentos, moradores e/ou visitantes do Município de Salvador proibidos de jogar lixo nos logradouros públicos desta Cidade. O lixo deve ser depositado em equipamentos destinados para este fim, distribuídos nos logradouros públicos.”

O artigo segundo, por sua vez, ressalta que “o Poder Executivo fica autorizado a multar o estabelecimento e/ou o cidadão que estiver jogando lixo em local inadequado, adotando medidas necessárias para regulamentar esta Lei.”

A Constituição estabelece que a liberdade de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos. Determina ainda que os locais de culto e as liturgias sejam protegidos por lei.

Já a Lei 9.459, de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. Ninguém pode ser discriminado em razão de credo religioso. O crime de discriminação religiosa é inafiançável (o acusado não pode pagar fiança para responder em liberdade) e imprescritível (o acusado pode ser punido a qualquer tempo).

A pena prevista é a prisão por um a três anos e multa.

Assista ao vídeo que flagra o despejo de lixo sobre a fonte: