Ontem, essa afirmativa me invadiu profundamente ao refletir sobre fatos que tem me tocado por esses dias ou quem sabe anos. Rapidamente, fui a uma rede social e registrei, receoso de perder o insight – essa súbita clareza que atravessou a minha mente – e fazer com que outros também refletissem sobre o ocorrido. Sei que a vida é multicolorida e tenho experimentado isto durante minha existência. Apesar disso, quero hoje escrever sobre lutas e lutos. Apenas uma vogal diferencia os termos, entretanto vários são os sentidos produzidos a partir desta distinção, alguns se entrelaçam…
A vida é, para muitos, marcada por inúmeras lutas. Tudo começou semanas atrás quando, dentro de um “buzu”, ao escutar a voz de um adulto, vendedor de Cds “piratas” de música evangélica. A princípio, não queria escutá-lo. Entretanto, uma sentença poderosa me impactou e prontamente registrei a fala no celular e em minha alma: “Eu estou aqui para driblar a injustiça de nosso país… Que farei eu para levar alimento para minha família”? Ecoava essa frase dos lábios de um homem, adulto, negro, batalhador, sábio e que dizia ter mais de 40 anos, ao meu coração… Relatou também que tinha enviado currículo através de amigos para empresas de ônibus, mas havia recebido o aviso de que, com sua idade, seria difícil conseguir uma vaga. Diante dessa dura realidade, ali estava, vendendo seus cds, mas consciente do movimento que fazia para driblar as injustiças do nosso país.
Nesse dia, as injustiças estavam, para mim, presentificadas naquele homem. O que me impressionou foi a construção de sua argumentação. Ele tinha consciência do lugar que lhe davam, mesmo querendo ir além…Voltei para casa pensativo… Quantos lutam, tal como ele, em nosso país? Quantos se dão conta do lugar que ocupam?
Apesar da dureza da luta vivida, ali ele estava, ao som do louvor, vendendo seus Cds… Era uma “santa pirataria” que lhe dignificava em meio às intempéries da vida, pensei.
Outra fala que me atravessou deu-se no contexto de uma aula de orientação profissional em um curso de psicologia. Um aluno relatou-me algo sobre sua história de vida, já que falávamos sobre qualidade da educação, perspectivas profissionais, orientação vocacional, juventude, trabalho, etc. O mesmo, após longo período de escuta, disse: “Professor, de minha turma na escola, sou um dos únicos sobreviventes… Muitos foram assassinados pelo tráfico. Sou um dos únicos que está na universidade.”
Apesar de ter contato com várias realidades de nossa cidade, como ficar imune a esta fala? Que país é esse? Como temos tratado parcela considerável da juventude? Como falar de construção de identidade profissional em uma cultura que aniquila tantas vidas, dons e talentos?
Como se não bastasse o vulcão reflexivo, tenho percebido que este tem sido o ano em que várias pessoas próximas a mim têm perdido seus entes queridos. Nesta semana, um amigo perdeu seu pai de uma forma inesperada em um acidente. Tenho também recebido vários e-mails de uma instituição que faço parte que sempre divulga o nome dos parentes falecidos dos colaboradores, fora as notícias advindas de outros círculos. A gente sempre acha que existem mortes esperadas e outras (in)esperadas. Acredito que a morte é, em nossa cultura, um enigma, a insígnia da incompletude e efemeridade. Apesar de nos considerarmos religiosos, há sempre uma dor ao lidar com a morte. A mesma remete à perda e a separação, é travessia. Ver a morte de alguém remete a nossa própria morte e a dos nossos. Chorar a dor do outro, dessa forma, é também chorar a nossa dor, pois nos colocamos sabiamente no lugar do outro. Como diz a canção: “chora comigo a minha dor…”
Ao escrever este texto também há, nas entrelinhas, o medo da morte, do desconhecido, das perdas e do luto… Como a vida também é marcada por mistérios, peço a graça de bem viver – pois “só temos o hoje” – de “chegar e partir” com dignidade, aproveitando a brevidade da vida e dos nossos. A vida é feita de lutas e lutos, caríssim@s! A esperança que nos resta é que sempre nos veremos na próxima estação “agora e na hora de nossa morte”.