Os concertos que embalam os primeiros encontros com o território das letras, desnecessário dizê-lo, são diversos; no entanto, os maestros responsáveis por essa orquestra de sentidos em nossas vidas, perpassam sobriamente anônimos. Quanto a seus tons, sobretons e semitons, raramente são negros.
A escolha dessa introdução cifrada, cheia de signos musicais para falar de Literatura Negra, assenta-se na convicção de que nem sempre nossas danças correspondem a ritmos escolhidos por nós mesmos. Em outras palavras, poderíamos afirmar que apenas cinco famílias determinam o que a maioria dos brasileiros lê. O que isso tem a ver com literatura? Nada e, ao mesmo tempo, quase tudo.
Digamos que no Brasil apenas cinco grandes empresas dominem o mercado editorial, sendo elas as editoras Globo, Abril, Cia. Das Letras, Record e Rocco. Pois bem, as sopas de letras que regularmente nos servimos, recebem o tempero de poderosos chefs. O bombardeio de marketing em torno de determinadas obras, os lugares destacados nas prateleiras das grandes livrarias, dentre muitas outras estratégias publicitárias, conforme sabemos, constituem-se como ingredientes indispensáveis na receita do cartel editorial brasileiro.
Ainda esse ano, uma moça e um rapaz, ambos bastante inteligentes, me falavam de sua mais recente paixão literária, a sra. E. L. James, autora de alguns tons questionáveis, porém coqueluche entre muita gente interessante. A maneira como discorriam sobre as narrativas de fantasias sexuais próximas às aberrações inconfessáveis que permeiam a mente de bons samaritanos e boas beatas, me levaram a crer que o santo Marquês de Sade permanecia um ilustre desconhecido nessas paragens.
Admito, esses dois jovens acenderam uma luz vermelha no meu umbigo.
Verifiquei a presença do tal livro em vários programas globais, revistas, redes sociais, a massificação dessa obra com seus tons ridículos contou com um aparato midiático de fazer inveja aos políticos que se candidatam a cargos eletivos. Como falar de Solano Trindade, Geny Guimarães, Miriam Alves, Ruth Guimarães, Lia Vieira, Ronald Augusto, Lívia Natália, Mel Adún, Oswaldo de Camargo, José Carlos Limeira, Éle Semog, Cidinha da Silva e tantas outras escritas que conferem beleza e sabor ao mundo das letras brasileiras? Isso para ficarmos nas autorias negras nacionais, pois poderíamos elencar Chimamanda Ngozi Adichie, Chinua Achebe, Yves Mudimbe, Isabel Ferreira, Paulina Chiziane, Abreu Paxe, dentre tantas outras notas literárias.
Aos quinze anos de idade fui apresentado aos *Cantares de Solano Trindade. Pirei. Nunca tinha visto nada igual. Ok, ok, eu era um reles adolescente, mas lia de maneira compulsiva absolutamente tudo. Aqueles versos portavam o ineditismo de uma narrativa melódica que dialogava diretamente com minha subjetividade. Através deles percebi que os sons dos trens podem ser reveladores de coisas que a sociedade brasileira busca esconder, descobri outras sonoridades e essas me aproximaram de outros instrumentos: o Run, Pi e Lé, por exemplo. Tive certeza que estava diante de um clássico, cultivei esse sentimento durante alguns anos. Entretanto, passados trinta anos, Solano Trindade permanece um mero desconhecido da maioria dos/as leitores/as brasileiros/as.Provavelmente, se dependermos da curiosidade das pessoas que cultivam o hábito de ler, esse acorde silencioso em torno dos escritores/as negros/as permanecerá como a tônica maior durante muito mais tempo. Isso não significa que o **Bravun interromperá suas sonoridades.
*Cantares ao Meu Povo, livro de Solano Trindade;
**Ritmo que embala as danças de guerra do orixá Ògún.
Foto de Capa: Fafá M. Araújo