Fios de sisal que modelam bonecas que lembram top models, pedaços de madeira que dão origem a esculturas delicadas, telas em branco que dão lugar à paisagens de aquarela, sementes ao chão que viram colares… O artesanato baiano não é apenas uma expressão cultural e identitária, é um mercado que movimenta milhões de reais e extrapola limites. No Brasil, 8,5 milhões de pessoas estão em atividade no setor, que movimenta R$ 50 bilhões por ano, o que representa cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Quase a metade dos artesãos do país está no Nordeste. Na Bahia, um grupo formado por 400 artesãs e artesãos busca a regulamentação desta ocupação.
“Ainda temos muitas dificuldades, apesar do auxílio do Instituto Mauá. Muitos de nós somos analfabetos, apesar de ensinarmos para muitos universitários a arte deste ofício, e por isso não conseguimos nos organizar melhor”, o brado de dona Maria Antonia, artesã de Candeias, é semelhante ao de outras centenas de Marias artesãs do estado, que atuando de forma individual, cooperadas ou em associações, enfrentam burocracia e as “rasteiras” de atravessadores espertalhões.
Defendida como a mais importante manifestação cultural do país, está presente em 64,3% dos municípios brasileiros e também por ser um empreendedorismo em crescente expansão, o artesanato é defendido como uma profissão oficial pelo Projeto de Lei 3926/2004, que tramita na Comissão do Trabalho do Congresso Nacional e trata da regulamentação este ofício. “Se não organizamos essa atividade, nos confrontados com tentativas de desqualificar o nosso artesanato. Muita gente compra produtos da China achando que foi feito à mão aqui na Bahia. Este é um projeto extremamente simples, mas que aborda todos os itens necessários para regulamentação da atividade, meu voto é favorável ao projeto”, destaca o deputado federal Daniel Almeida (PCdoB/BA), relator da proposta.
“É preciso que os artesãos se apropriem dessa lei que pode ser aprovada. Entretanto, temos um desafio de termos artesãos e artesãs mais organizados para que as políticas públicas cheguem de forma direta para eles”, convoca Elias Dourado, presidente do Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, uma autarquia ligada ao governo da Bahia.
Outro parlamentar favorável à profissionalização da atividade artesanal, o deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), presidente da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial e em defesa dos Quilombolas, ressalta que não se pode deixar a produção do artesanato baiano ser copiada e vendida lá fora como domínio público: “Defendo a garantia do direito autoral para cada artesão e cada artesã”. “O artesanato fortalece o viés cultural da identidade nacional com o saber popular, pois nossa raiz artesã vem dos índios e da herança africana em nosso país”, afirma.
“Esse projeto nasce de baixo para cima, ouvindo os artesãos para criação desta que já é uma profissão na prática, mas que não foi ainda devidamente reconhecida”, diz a chefe de Gabinete da Secretaria de Trabalho Renda e Emprego da Bahia, Olívia Santana. Ela destaca ainda a criação de uma escola técnica, para capacitação dos artesãos e artesãs, previsto no projeto de lei. “A escola tem um escopo bem definido na legislação, mas não é ela quem determina a profissão, mas sim o próprio trabalhador que produz seu artesanato de qualidade”. Olívia quer ainda a criação de um Salão Anual do Artesanato da Bahia.
O artesão Miro de Maragojipinho relata as dificuldades da ocupação que deixam marcas no corpo: “Tenho oito pontos de L.E.R. [lesão por esforço repetitivo] no corpo… Nossa profissão é uma das mais antigas do mundo, Jesus Cristo era carpinteiro, logo, artesão, mas nossas comunidade estão passando por dificuldades seríssimas, pois muitos jovens não estão mais querendo aprender o ofício”. Ele afirma que programas sociais que dêem sustentabilidade aos jovens em suas comunidades, “para que lá na frente possam dar continuidade a essa atividade”, são necessários.
“Precisamos de uma legislação quer nos dê garantia de sustentabilidade como ocorreu com pescadores e marisqueiras que recebem insumos do governo e recursos na época do defeso”, cobra durante a realização do VII Encontro de Artesãos da Bahia, promovido pelo Instituto Mauá.
Parte considerável dos profissionais do artesanato no mundo é mulher, segundo a deputada federal Alice Portugal (PCdoB/BA), presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. “Sobre a profissionalização, é sempre uma grande discussão falar de arte e ofício, queremos que todos tenham seus direitos, mas não concordo com a obrigação de ter uma certificação de escola técnica para isolar os artesãos que, doravante, não tenham tal certificação”, diz. A parlamentar pediu a desarquivamento do projeto do falecido Eduardo Valverde, sobre o Estatuto do Artesão, aprovado em todas as comissões da Câmara e arquivado após a morte do autor, no início dessa legislatura.