Um policial militar chega a sua casa depois de dois dias de serviço. À sua espera estariam seu filho, José Martinho, adolescente de 15 anos responsável em cuidar do avô, e seu pai, um idoso preso a uma cama pela fratura de uma das pernas e vítima do Alzheimer. A rotina seria mantida se Martinho estivesse em casa, como de costume. Porém o menino deixou o avô sozinho, saiu de casa e a única pessoa que poderia informar seu paradeiro não se lembra. Esse é o mote de entrada de “As balas que não dei ao meu filho”, espetáculo que marca o retorno das atividades presenciais no palco do Teatro Sesi Rio Vermelho. A obra está em cartaz todas as quintas de novembro às 20h.
O espetáculo interpretado pelo ator Antonio Marcelo (Exu, a boca do universo), estreou em 2017 e segue agora numa nova versão. Para o ator, a discussão da relação entre a vida pessoal e a profissão do policial é de extrema importância para os debates da população negra, visto que a maioria destes profissionais são negros. “O assunto é muito complexo e envolve uma série de questões que envolvem as subjetividades do homem negro e suas relações violentas ao longo da vida. Eu sempre me interessei por entender isso. É a história de um policial, mas também de um pai, de um filho e de uma família. É a história de uma pele preta”, afirma Antonio.
O texto foi escrito pelo dramaturgo Daniel Arcades (Rebola!,Erê) que acabou desenvolvendo três peças sobre o genocídio do povo negro: Erê, encenada pelo Bando de Teatro Olodum em 2015;
Antônia, dirigido por Sanara Rocha em 2016 e As Balas que não dei ao meu filho em 2017. “Acredito que é preciso discutir amplamente o projeto genocida da colonização brasileira, principalmente agora em que opressores andam autorizados a proferirem discursos de ódio e matarem por aí. É preciso entender que existe um projeto perverso em que os verdadeiros opressores se escondem sobre ternos e que as estratégias se mostram cada vez mais nítidas. O teatro é a nossa forma de contribuir para estes assuntos”, confirma Daniel.
Para esta montagem, o solo contou com a direção de Antônio Fábio (Major Oliveira, Os enamorados) que procurou valorizar a presença da atuação na encenação, optando por poucos elementos de cena e uma grande presença do corpo no palco, direção de movimento de Edeise Gomes (Rebola!, Nau), que provocou o ator com sua pesquisa sobre aterrar e desenvolveu concepções corporais em que ora vemos a personagem no presente, ora em passado de memória e por vezes, esses corpos se misturam na performance do ator; direção musical de EcristioRaislan, iluminação de Alisson de Sá e preparação corporal de João Paulo Tourinho.
O espetáculo propõe tencionar os diversos papeis das pessoas negras na sociedade contemporânea. Policiais negros, acusados de matar jovens negros, que podem ser os seus filhos, irmãos, parentes. Afinal, quem pode ser responsabilizado pelo extermínio da juventude negra? O policial pode, enquanto “braço de força” do estado, impedir? Contra quem e para quem, nós, negros, estamos lutando? Essas são algumas das muitas perguntas que são feitas após o espetáculo. Sem pretensões de dar respostas, As balas que não dei a meu filho lança questões, tenciona lugares e provoca. A saída de um adolescente de casa para se divertir com os amigos poderia ser um fato facilmente ignorado se esse não fosse um jovem negro, morador de um bairro da periferia de Salvador, justamente na noite de uma “batida” da polícia. Como se não bastasse seu pai, Jessé, que é um policial negro como tantos outros, sabe muito bem o que pode acontecer a um jovem negro de periferia em uma situação como essa. A obra também já viu as telonas do cinema com o curta-metragem homônimo lançado em 2018 pela Modupé Produtora e já circulou mais de 40 festivais de cinema pelo mundo afora.
Seguindo todos os protocolos de segurança, o Teatro Sesi-Rio vermelho está com capacidade reduzida, exige comprovação de vacinação e há álcool em gel em diversos espaços do espaço. Os ingressos estão a preços populares, R$30 (inteira) e R$15 (meia).