Cinco mães e um pai de jovens desaparecidos ou mortos na Bahia, nos últimos anos, relataram à Anistia Internacional (AI) os dramas vividos. Eles pediram ajuda para solucionar os casos que, alegam, não têm recebido a devida atenção por parte do governo baiano. Em todas as situações, os jovens são negros e de famílias humildes.
Na maior parte, há relatos de testemunhas de participação policial ou de milícias. Em quase todas as situações, os inquéritos foram inconclusivos, sem apontar a autoria nem localizar os jovens, para o desespero dos pais, que não sabem, até hoje, se os filhos estão vivos ou mortos.
O drama mais recente é de Rute Silva, mãe de Davi Fiuza, de 16 anos de idade. Ela relatou que o filho foi pego quando estava observando uma operação da polícia, no dia 24 de outubro deste ano, no bairro de Vila Verde, em Salvador. “De repente, ele foi encapuzado, teve amarrado os pés e as mãos e jogado em um carro descaracterizado. Havia muitas viaturas da polícia por perto, segundo as testemunhas. Desde então, procurei todos os meios legais e jurídicos, fui ao Instituto Médico-Legal, nos campos de desova [de cadáveres], mas nada”, contou.
O caso de Davi Fiuza motivou a AI a denunciar a situação à Organização das Nações Unidas (ONU), assim como a de outros jovens, até hoje desaparecidos, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Outro Davi, com sobrenome Alves, teve destino semelhante. Filho da vendedora Iracema Barreiros Alves, ele foi apreendido pela polícia, aos 17 anos, no dia 6 de dezembro de 2013, em Salvador. Alves estava, segundo a mãe, na companhia de outros dois menores, em um carro, sem que o motorista tivesse habilitação. Acabou liberado, mas nunca mais foi visto.
“Foi levado para a Delegacia do Menor Infrator e depois para a Fundação Casa. Eu recebi um telefonema para buscar meu filho, mas quando cheguei lá disseram que ele já estava indo para casa, só que nunca chegou. Eu voltei e disseram que ele tinha sido liberado com o pai de outro menor, que o teria deixado em outro lugar. Como liberaram o meu filho para outra pessoa?”, perguntou Iracema.
O filho de Antônio Carlos Borges de Carvalho, Jackson Antônio, acabou morto em 23 de junho de 2013, em Itacaré, município praiano a 150 quilômetros ao sul de Salvador, e até hoje não se sabe o motivo. “O meu filho foi brutalmente assassinado, aos 15 anos. Ele era judoca desde os 7 anos, surfava e cursava o primeiro ano do curso técnico de guia de turismo. O corpo foi encontrado por mim, enterrado em um buraco, de cabeça para baixo, com as pernas cortadas na altura do joelho e com um tiro na cabeça. Até hoje, não tive acesso ao inquérito. O delegado o colocou em sigilo de Justiça”, contou Carvalho.
Cleonice Oliveira, mãe de Jean Carlos Oliveira da Silva, 20 anos, disse que o filho foi sequestrado, juntamente com dois jovens, os irmãos Luis Ricardo, de 20 anos, e Sérgio Luis Nascimento, de 28, no dia 16 de maio de 2013, após a casa ser invadida pela Companhia de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar. “Eles foram algemados e encapuzados, de madrugada, na casa onde moravam, e colocados em viaturas. Há um ano e sete meses a gente não tem mais nenhuma informação. Não há investigação alguma. Queremos saber onde eles estão. É isso que nos move”.
A professora Lucimoura Santos, mãe de Sérgio Luís e Luís Ricardo, ainda espera notícia dos filhos: “Levaram eles e até hoje não tenho informação sobre o paradeiro. Mas temos esperança de que estejam vivos”.
Ana Lucia Conceição da Silva, mãe de Mateus Silva Souza, de 19 anos, é outra que não viu mais o filho. “Ele saiu de casa dizendo que ia para uma lan house, no dia 10 de maio de 2012. Até agora, não tenho notícia nenhuma. Fiquei sabendo que meu filho foi pego pela polícia e torturado, no bairro de Itaigara, em Salvador. Ele estava com mais dois colegas, que saíram correndo [ao ver a polícia]. Ele parou, para se justificar. Aí deram um tiro na perna dele e o jogaram na mala do carro. Até o dia de hoje, não sei o que aconteceu. Sumiram com o meu filho”.
Hamilton Borges, militante da organização Quilombo X Ação Comunitária e da Campanha Reaja, disse que o objetivo das entidades é lutar contra os grupos de extermínio, a brutalidade policial e a lógica de segurança pública vigente no estado. “Ser negro, jovem e pobre é uma sentença de morte na Bahia. As abordagens policiais são letais. As pessoas estão sendo orientadas pelas famílias a não sair às ruas. A gente vive em uma grande cadeia, onde tem tortura, mortes e desaparecimentos que, na verdade, são sequestros”, afirma Hamilton.
Ele alegou que o governo baiano não criou nenhum mecanismo para combater os grupos de extermínio nem a brutalidade policial, o que levaria a polícia da Bahia a ser a terceira que mais mata no país, em dados absolutos. Além disso, Hamilton disse que há um componente de discriminação racial nas abordagens. “Se o policial encontra um garoto branco, de classe média alta, fumando maconha, leva para casa e entrega para os pais, dizendo que ele estava cometendo um erro. Se um garoto negro apenas está usando um chapéu, uma tatuagem, eles matam e desaparecem”.
Procurada para se pronunciar sobre os casos, especialmente o mais recente, de Davi Fiuza, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou, em nota, que todas as medidas cabíveis estão sendo tomadas. Disse que várias vertentes são investigadas, inclusive a participação de policiais. Os que estavam de plantão no dia do desaparecimento estão sendo ouvidos no inquérito. A secretaria também informou que, no período de 2013 a 2014, 104 policiais foram demitidos, graças ao trabalho das corregedorias.
*Agência Brasil