Um suspense incomodo, moralista e estranho…

Mais conhecido por suas incursões no mundo da tortura em O Albergue, Eli Roth retorna com um filme que também adentra neste universo de dor e desconforto, mas desta vez, foca na instituição familiar e na tortura psicológica para efeito catártico. Funciona em partes, apesar de algumas irregularidades, mas o resultado final é positivo. Bata Antes de Entrar, refilmagem não creditada de Death Game, suspense bizarro de 1977, nos apresenta como era e como se tornou a vida do arquiteto desempregado Evan (Keanu Reeves, num atuação desconfortável e irregular).

Foto: Divulgação

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Antes do Dia dos Pais, a sua família (leia-se esposa e dois filhos) seguem rumo à casa de praia e deixam o “papai” em casa, pois este se encontra no processo final de realização de um projeto. A noite cai, uma chuva torrencial toma o bairro e de repente, alguém bate á porta de Evan. Ao abrir, o jovem senhor é surpreendido por duas belas moças: Genesis e Bel. Ambas alegam estar à caminho de uma festa e descobrem que erraram o caminho.
Inicialmente cordial, Evan as deixa entrar, usar o computador para enviar uma mensagem, bem como solicitar um táxi para levá-las de volta ao dito trajeto inicial. O problema é que com a chuva, as moças só conseguem um transporte para 45 minutos após a solicitação. Neste espaço de tempo, eles conversam, contam histórias, elas até dançam, pois descobrem que o dono da casa era um DJ no passado.
Não demora para um clima sexual se estabelecer e as duas levarem, após um golpe baixo envolvendo toques e sussurros, o “pai de família” para a cama. Tudo estaria bem e voltaria a ganhar equilíbrio se no dia posterior as duas não tivessem virado a casa abaixo e começassem a se comportar de maneira desequilibrada, alegando menoridade. E a coisa consegue ficar pior: elas retornam ao lar e começam uma perseguição monstruosa que culmina em tortura, sangue, mortes e destruição total do lar e do equilíbrio mental de Evan.
Se o filme consegue representar bem o lado perverso da mente humana, por outro, demora demais para pegar o ritmo ideal. Tudo demora muito para acontecer e deixa o espectador impacientado diante da narrativa. Ao mesclar elementos de Violência Gratuita e Atração Fatal, Bata Antes de Entrar cria uma atmosfera de desconforto que precisa ser vista além da caretice do “castigo para marido traidor”. O filme consegue ir além. Um pouco, mas vai.
No que diz respeito aos aspectos técnicos, Bata Antes de Entrar é a perpetuação do olhar voyeur machista. As mulheres estão no poder, mas isso não significa que o filme as trate de maneira bem estereotipada. São seres de temperamento “caliente”, sádicas, extremamente sexuais e predadoras do “pobre” coitado que só quis ajudar. Se neste ponto o filme descamba para os meandros dos malditos estereótipos, pelo lado da cenografia ganha poder.
A casa de Evan é recheada de quadros, porta-retratos com imagens da família em momentos de pura felicidade. Em suma, simulacro puro: o ideal de ambiente equilibrado é colocado em xeque com a presença das moças, responsáveis por estabelecer a desordem. A montagem é equilibrada, a música é adequada e o roteiro foge do lugar comum tão batido nas narrativas hollywoodianas, deixando espaço para o que os manuais chamam de cena obrigatória: final aberto, com múltiplas possibilidades interpretativas, que nos fazem pensar o que terá acontecido após o retorno da família ao lar destruído pelas “meninas malvadas”.
Com 99 minutos de duração, Bata Antes de Entrar incomoda muito. É um filme estranho, absurdo, praticamente surreal, mas reflete com eficiência o ambiente de psicopatia e representa, através de imagens, os desvios mais impensáveis da mente humana. Co-produção entre o Chile e os Estados Unidos, o suspense de humor ácido termina com uma ironia da contemporaneidade e fecha as suas cortinas seguindo à risca o que uma religiosa pregava recentemente em um transporte coletivo: “o Facebook, assim como o diabo, veio para roubar, matar e destruir”. Assista para saber o porquê.
Ficha Técnica
Bata Antes de Entrar (Knock, Knock, Estados Unidos – Chile, 2015)
Direção: Eli Roth
Roteiro: Eli Roth, Nicólas López e Gilhermo Amoedo.
Elenco: Keanu Reeves, Lorenza Izzo, Ana de Armas, Aaron Burns, Colleen Camp, Igancia Allamand
Duração: 99 minutos