As condições humilhantes de moradia, lágrimas nos olhos de idosos e crianças e os relatos comoventes dos moradores da comunidade quilombola Rio do Macaco, sobre os possíveis abusos feitos por militares da Marinha do Brasil, chocaram a comitiva da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, que visitou o local nesta segunda-feira, 04 de junho. O presidente do colegiado, deputado federal Domingos Dutra (PT/MA), chegou a exclamar que o que se constatava ali era “um crime contra a humanidade”.
“Vamos pegar toda essa documentação [dossiê apresentado pelos quilombolas e Defensorias Públicas, do Estado e da União] e se a gente tiver que mandar para a Comissão de Direitos Humanos da OEA e a Comissão de Direitos Humanos da ONU, denunciando o governo brasileiro pelas violações praticadas aqui. Vou assinar em baixo, e comissão também”, alertou Dutra.
O parlamentar, que é governista, disse que a Comissão de Direitos Humanos vai dialogar com o governo federal, mas que, se for necessário denunciar, vai o fazer: “As pessoas não podem ser barbarizadas, humilhadas, por querer apenas melhorar suas moradias, por conta das fortes chuvas, que nem podem ser chamadas de moradia, pela situação subumana, é inadmissível”.
“Os depoimentos feitos aqui caracterizam violação de direitos humanos, como constatamos, então, temos que oficiar a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a ministra Maria do Rosário, para que ela também tome providencias em relação aos atos existentes aqui, independentemente das demais ações que vamos tomar”, sugeriu o deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), presidente da Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas da Câmara.
O deputado baiano propôs ainda que a Comissão de Direitos Humanos se reúna já na terça-feira (05), com o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT/RS), para que ele agende uma reunião com a presidenta Dilma Rousseff, para tratar do assunto.
Suspensão das ações judiciais
“Nossa primeira ação vai ser pedir ao governo que mande a AGU retirar ou suspender as ações. Se a gente não conseguir isso, vamos ficar guerreando com a Marinha, quando o principal problema está em uma ação judicial”, afirmou Dutra. Para ele, qualquer pessoa é capaz de perceber que a comunidade existe há mais de um século.
Para o presidente do colegiado de Direitos Humanos, a culpa do problema principal é da Advocacia Geral da União e não simplesmente da Marinha, após representantes da Defensoria Pública da União sobre a petição feita pelo órgão federal entrou na Justiça com uma ordem judicial contra a comunidade.
Falta saneamento básico, eletricidade e água encanada na comunidade quilombola, devido ao impedimento que o processo judicial impõe. A Marinha reivindica a reintegração de posse das terras onde vivem atualmente 48 famílias do quilombo. Por conta da intervenção de parlamentares, movimentos sociais, da Presidência da República e pela luta da própria comunidade, a ação ainda não foi efetivada.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) garante que o relatório que comprovará que a localidade se trata, d efato, de uma comunidade quilombola deverá ficar pronta até o final deste mês. Segundo representantes do órgão, o documento ainda não ficou pronto devido ao impedimento de acessar o Rio do Macaco, estabelecido pela Marinha, no início do processo.
“Reforço nosso compromisso, a nossa força, o nosso espaço, para convencer o nosso governo a tomar uma medida imediata. Temos uma Constituição que é clara: é dever doEstado Brasileiro, não é de governo, reparar um pouco das violências praticadas contra os negros, devolvendo seus territórios. Nós sabemos que nosso governo tem sido lerdo para avançar nesta titulação”, destacou Domingos Dutra.
Ele prometeu que a Comissão vai tentar sensibilizar a presidente Dilma e quem opera pelo governo, para tomar uma decisão rápida a respeito do conflito entre Marinha e quilomboRio do Macaco.
Dutra afirmou ainda que, em reunião com o vice-Almirante Monteiro Dias, iria ressaltar que a situação é inaceitável e solicitar que eles retirem a vigilância e a guarda da comunidade: “Aqui [no quilombo] não há bandidos e ninguém está pondo em risco o patrimônio”.
“Tenho certeza que o ‘cachorro ou gato’ do Almirante está tendo melhor tratamento que vocês aqui, e isso é inaceitável em um país democrático. Estou chocado! A pobreza e humilhação que vocês sofrem, dentro da Bahia, que é o estado mais rico do nordeste, na capital, não se pode ser admitido”, declarou o parlamentar aos moradores da comunidade.
Entenda o caso
Os moradores do quilombo acusam que militares teriam, seguidas vezes, agredido vários deles física e moralmente, feito ameaças de morte, danificado moradias e, entre outras reclamações, dificultado o direito de ir e vir, garantido pela Constituição Federal, o que contribuiu para a morte de bebês de gestantes.
Em 22 de maio, representantes do quilombo estiveram em Brasília para entregar aos deputados da CDHM cópias de boletins de ocorrências policiais com os registros oficiais das agressões e ameaças. Acrescentaram que a situação se encontrava insustentável com riscos para que “o pior possa acontecer”.
O conflito entre as cerca de 50 famílias do quilombo com a Marinha se deve ao fato que os militares solicitam a saída dos cerca de 500 moradores dessa área, na qual os descendentes dos escravos garantem que seus ancestrais chegaram há mais de 200 anos, motivo pelo qual não querem se retirar. No Rio do Macaco há moradoras com mais de 100 anos de idade que atestam ter nascido e se criado no lugar.