Representantes da comunidade quilombola Rio dos Macacos, que vive um conflito de terras há mais de cinco décadas com a Marinha do Brasil teve outro compromisso, esta semana, em Brasília. Depois do encontro com deputados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara de Deputados, as quilombolas encontraram a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, para tratar do mesmo tema anterior: a busca de um consenso para por fim ao impasse sobre a posse das terras. Mas as perspectivas apresentadas durante a reunião não foram tão otimistas. A sugestão, como encaminhamento geral, foi de que a comunidade discuta e apresente uma nova contraproposta, para que a CDHM encaminhe-a ao governo para abertura de possíveis negociações.
“Nós não temos mais espaço para negociação dentro do governo, porque houve um grande desgaste e parece que a Secretaria Geral da Presidência da República se retirou do processo de negociação”, informou a ministra Luiza Bairros. Segundo ela, a última proposta que a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) apresentou “foi rechaçada”. “Acredito que a proposta dos 301 hectares não será considerada viável, apesar de ser legítima. A Marinha tem outros meio para agir e o fará enquanto Estado e não Governo”, ponderou.
Já o presidente da Frente Parlamentar Mista Pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas, deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), defendeu que as conquistas do povo quilombolas, até aqui, estão sendo ameaçadas e que se faz necessário entender os processos e limites das comunidades. “O que está em questão é o território e estou preocupado com a atual conjuntura. Imagino que os militares vejam os quilombolas como inimigos da segurança nacional”, afirmou.
“A conjuntura atual está desfavorável para os movimentos sociais. É preciso ter clareza. Eu identifico alguns aliados, tais como o Incra, Seppir, Secretaria Geral da Presidência da República e a Fundação Palmares. Contudo, o problema da estrutura fixa das forças armadas é muito grande. É só prestar a atenção que eles ocupam mais de três prédios na Esplanada dos Ministérios. Como sindicalista e militante avalio ser importante saber quando recuar ou fazer pressão”, sugeriu o parlamentar.
Luiz Alberto disse ainda que a posição da comunidade pode ser mantida para pressionar, mas que ela também pode apresentar uma proposta para o conjunto do governo: “Talvez informações equivocadas sobre a real situação tenham chegado à Presidência da República e não saibam que há condições de conviver a Marinha de um lado e a comunidade do outro. A Marinha é quem está numa situação confortável e se utiliza de instrumentos ilegais para agir”.
Já o presidente da CDHM, deputado federal Domingos Dutra (PT/MA) ressaltou que a Comissão tem buscado ajudar na resolução do conflito para encontrar uma alternativa. “Nós respeitamos a autonomia da comunidade e acreditamos que os deputados possam apresentar uma proposta”, declarou.
“A comunidade quer a permanência no território, a titulação e que a Seppir, Incra e Palmares ajam em nosso favor, entrem com ações judiciais. A Marinha, quando quis as terras, expulsou 70 famílias e quem está lá até hoje está tentando resistir porque batem nos mais velhos e nas crianças também”, afirmou Olinda dos Santos, moradora da comunidade quilombola Rio dos Macacos.
Outra representante do quilombo, Rosimeire Santos de Oliveira, reforçou que os moradores querem continuar nas terras onde vivem, alguns há mais de um século, e que seja feita uma via de acesso por fora da Vila Militar da Marinha. “A Vila Naval está localizada fora da área do quilombo. A comunidade já abriu mão do terreno onde está a base naval porque uma negociação já foi feita, então queremos permanecer onde estamos. A Marinha de um lado e a comunidade do outro. O rio nos separa e assim será possível plantar e ter acesso às políticas públicas, condições dignas para morar”, pediu.
Rosemeire informou também que a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, recebeu a representação da comunidade, onde dialogaram sobre a necessidade de se resguardar os direitos básicos para os quilombolas do Rio dos Macacos. “Queremos urgência na publicação do RTID”, cobrou a liderança. “Somos 67 famílias, quando da elaboração do relatório para o reconhecimento deixamos de fora a área ocupada pelas 23 fábricas que estão no fundo dos nossos quintais e a área da VilaNaval. Trezentos e um hectares são suficientes para o presente e o futuro da nossa comunidade”, continuou.
“Temos que fazer com que a comunidade não seja deslocada e apresentar uma proposta consistente para melhorar o processo de negociação entre a Marinha e a comunidade. Precisamos nos reunir com a AGU e demais órgãos para retomar o debate”, alertou Alexandro Reis, diretor de Patrimônio Afrobrasileiro da Fundação Cultural Palmares.
O advogado da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR), Calos Eduardo Chaves, que tem acompanhado e apoiado a comunidade desde o acirramento da ação judicial movida pela Marinha disse que a comunidade vive em casas de taipa coberta de palha e sobrevivem da agricultura de subsistência. “Não podem construir, reformar ou plantar. Um bom começo para negociar seria chegar a um consenso, nivelar as condições das partes envolvidas, o que não ocorre hoje”, falou.
“A posição do Incra está articulada com a AGU e a Palmares. Nós rebatemos todas as contestações da Marinha. Associar a Marinha ao Governo é um equívoco. E a conclusão desse caso da comunidade do Quilombo Rio dos Macacos marcará o presente e o futuro de comunidades em situações similares”, afirmou o presidente do Incra, Carlos Guedes. Segundo ele, os técnicos deram todos os subsídios de ordem técnica para avaliação do território da comunidade, do ponto de vista fundiário, cultural, ancestral e antropológico. “A expectativa de direitos é diferente da realidade dos fatos e a repercussão no futuro me preocupa”, ressaltou.