Na data que marca o Dia do Índio no calendário nacional, 19 de Abril, a avaliação sobre a preservação das línguas indígenas nacionais não mostra um panorâma favorável à preservação dessa cultura no Brasil. Uma pesquisa elaborada pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e divulgada em março deste ano aponta que das cerca de 1,5 mil línguas indígenas existentes no período de descobrimento do Brasil restam 181, das quais 115 são faladas por menos de mil pessoas.
Todas as línguas indígenas brasileiras estão ameaçadas de extinção em algum grau, de acordo com Atlas Mundial das Línguas elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em sua última versão, o mapa da Unesco – publicado em 2008 a fim de comemorar o Ano Internacional das Línguas proclamado pelas Nações Unidas – mostra 190 línguas indígenas no Brasil sendo que 12 já estavam extintas. Segundo esse estudo, o Brasil é o terceiro país com o maior número de línguas ameaçadas.
O Atlas é baseado no Índice de Vitalidade das Línguas, que estuda o que leva um idioma a ser ameaçado, as políticas de Estado em relação a ele, seu uso nos meios de comunicação e o fato de ele ter registros na internet. O índice também divide as línguas em cinco categorias: vulneráveis; seriamente em perigo; severamente em perigo; absolutamente em perigo e extintas.
Confira abaixo o mapa com as línguas indígenas no Brasil ameaçadas de extinção.
O Programa de línguas ameaçadas de extinção da Unesco existe desde 1993 e a primeira versão do Atlas das Línguas do Mundo em Perigo de Desaparecimento foi publicada em 1996. Neste momento, o Atlas passa por um processo de revisão e deve passar a incluir, além das línguas ameaçadas, aquelas que estão aparentemente seguras.
Os dados sobre o número de línguas indígenas existentes hoje no Brasil, porém, não são exatos. No estudo do IEL são consideradas180 línguas, acrescido da língua geral amazônica Nheengatu. Já os linguistas ligados ao Museu Goeldi apontam a existência de 150 línguas indígenas hoje no Brasil. O Censo de 2010 elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua vez, aponta a existência de 274 línguas faladas por 305 povos indígenas.
Segundo Angel Humberto Corbera Mori – professor e pesquisador do IEL, além de editor do periódico Línguas Indígenas Americanas (Liames) -. a discrepância entre os dados depende do método utilizado em cada pesquisa. “As diferenças entre um número maior ou menor dependem dos critérios que se usam para identificar o que seria uma língua e o que seria um dialeto. As fronteiras entre língua e dialeto não são fáceis de identificar, são necessários estudos sistemáticos de tipo dialetológicos para se chegar a uma conclusão mais adequada”, considera.
Para Mori, outro aspecto a ser considerado ao analisar esses dados é que não existe uma correlação direta entre o quantitativo populacional e número de falantes que mantêm as línguas indígenas. Há povos que já perderam a língua materna, passando a ser falantes apenas do português, como os Guato, Umutina, Chiquitano e os povos indígenas do Nordeste – Potiguara, Kiriri, Pankararu. Outros apenas tem um número irrosório de falantes como os Yawalapiti (3 falantes), Ofaye (cerca de 5 individuos).
“Apenas povos do Xingu como os Wauja, Mehinaku, Kuikuru, Kamaiura, Aweti, ainda podem ser considerados exemplos em que o número da população e o de falantes da língua indígena se correlacionam”, aponta o pesquisador. Recentemente, morreu a última falante da língua indígena xipaia, em Altamira, no Pará. Em situação similiar, apenas dois anciões falam guató, eles vivem em lugares diferentes e não se comunicam entre si devido a distância.
De acordo com o Instituto Socio Ambiental (ISA), 25 povos têm mais de cinco mil falantes de línguas indígenas: Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Baré, Chiquitano, Guajajara, Guarani [Guarani Ñandeva / Guarani Kaiowá / Guarani Mbya], Galibi do Oiapoque, Ingarikó, Kaxinawá, Kubeo, Kulina, Kaingang, Kayapó, Makuxi, Munduruku, Sateré-Mawé, Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira, Tukano, Wapixana, Xavante, Yanomami e Ye’kuana.
Para se debruçar sobre como a pesquisa pode colaborar para a preservação dessas línguas, mais de 100 cinetistas de 10 países se reuniram entre 21 de março e 2 de abril deste ano no Instituto durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada Putting Fieldwork on Indigenous Languages to New Uses, realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Mori considera que a defesa dos territórios tradicionais dos povos indígenas é a principal forma de preservar sua língua.
“É o ponto principal para que eles continuem desenvolvendo sua autonomia no ponto cultural, socioeconômico e religioso. Junto a isso, podemos colaborar com estudos, descrição dessas línguas, materiais escolares e outros fatores que podem ajudar a manter a cultura e a língua tradicional”, afirmou o pesquisador em entrevista para o programa Amazônia Brasileira. Confira a íntegra da entrevista.
*EBC