Resolvi esboçar e comentar um pouco, sobre como surge um poema. Ou como surgem poemas. É preciso deixar para trás uma porção de padrões e romantismos, e observar o processo como cauteloso e árduo, além de inspirado.
Por mais de dezenas de vezes, leitores já vieram até mim, indagar sobre como inicio a escrever um poema, ou “de onde vem tanta inspiração”. Isso quando não querem saber sobre a musa inspiradora.
Hei de convir, até por uma questão histórica, que a poesia tem carregado, até aqui, um significado especial e quase místico. As pessoas não costumam olhar para a literatura de poesia como para um romance, ou uma crônica. Há sempre uma expectativa de sentimento, sensações e palavras bem colocadas, que acabam quase sempre sendo explicadas, por uma espécie de “aura mágica” em torno do poeta. É como se o autor não estivesse tendo tanto trabalho assim e, apenas pondo no papel, o que a poesia lhe ordenara, desprezando todo o trabalho de horas, dias e meses, escolhendo as melhores frases e palavras.
Acredito mesmo que a tarefa de escrever, por mais talento que possa exigir, se resume em muito mais de transpiração do que inspiração. Adianta pouco ter a cabeça recheada de boas idéias, o espírito saturado de sentimento, se os dedos sofrerem de ejaculação precoce. A poesia não gosta de contar o tempo, ela gosta de se fazer máquina do tempo e sucumbir os relógios. Tudo isso de uma maneira delicada. É por isso que às vezes o “download” acontece fracionado, um dia um verso, amanhã dois, até uma obra completa.
Às vezes, sento para escrever sem ter sentido uma vontade em especial, uma inspiração, ou algo do tipo. E assim aconteceram vários bons poemas, inclusive. Já em outros momentos, como que inusitadamente, sentimentos ou situações alheias me despertaram vontade irresistível de escrever. O banheiro parece ser um lugar bastante poético, ainda tentarei explicar o porquê.
A inspiração que sinto quase todos os dias é, justamente, o oposto de uma sensação terrível, que me visita de vez em quando: a de não ter vontade de escrever. Drummond escreveu sobre quando “chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.”, e me conheceu muito bem enquanto estava eternizando essa sensação, já que tenho passado por momentos milimetricamente equivalentes, quando os assuntos me faltam. Estar inspirado é sentir-se com bagagem para escrever bem, com matéria prima.
O poeta anota suas experiências de vida, de mundo, porque a poesia trata disso. Ainda que sob a fórmula do amor, ou amizade, ou paixão, ou alegria. A inspiração do poeta é cativa de seus pensamentos e de quantos minutos esteve meditando sobre os sentidos e sentimentos. É assim que a matéria prima vai se amontoando na cabeça de quem faz poesia.
Lembro-me de várias situações em que pude fazer poesia “Polaroid”, como aquelas câmeras que revelam a foto na hora. Numa dessas passagens, estive com um amigo choroso da despedida de sua companheira e escrevi o poema que segue no final da postagem (e que também publiquei no meu blog, à época). Também jamais poderei esquecer os poemas que cultivei por meses, até conseguir desenhar um final. Nas duas situações, e em tantas outras, estive parceiro da inspiração e do suor, mesmo que em proporções diferentes. E eis a sina de escrever poesia: fazê-la simples como viver a vida, sem deixar escapar o quão complicado é, tentar explicá-la.
A um amigo: Final de carta
Rapaz,
Desfaça essa cara feia
De quem tomou cana
E fique com a sua mesmo
Que é mais bacana!
E por favor, não chore agora
Pior mesmo que a saudade
É curtir ela antes da hora!