Será que é tempo que nos falta pra perceber?
Será que temos esse tempo pra perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara…
(Paciência – Lenine)
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) divulgou neste domingo, 02 de novembro, em Copenhague (Dinamarca), a síntese do seu quinto relatório acerca do tema. O documento, o mais completo elaborado pelos cientistas do órgão vinculado às Nações Unidas desde 2007, aponta que os danos causados pelas mudanças climáticas poderão ser irreversíveis, mas ainda há forma de evitá-los.
De acordo com o relatório, a influência humana no sistema climático é clara, pois quanto mais perturbamos nosso clima, mais riscos temos de impactos graves, amplos e irreversíveis. Ao apresentar os dados que integram o levantamento, o presidente do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri lembrou que o mundo todo será afetado por estes danos. “Quero destacar o fato de que a mudança climática não deixará nenhuma parte do mundo intocada pelos impactos que estamos vendo diante de nossos olhos e que, obviamente, terão uma relevância crescente no futuro.”
O diretor do IPCC afirmou que “agora a comunidade científica se pronunciou” e está “passando o bastão para os políticos, para a comunidade que toma as decisões”. No entanto, Pachauri ressaltou que ainda há esperança, pois “felizmente nós temos os meios para limitar a mudança climática e construir um futuro mais próspero e sustentável”.
Segundo o documento, o uso sem restrições de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás), deve ser suspenso até o ano de 2100 se o mundo quiser evitar uma mudança climática perigosa.
O relatório também sugere que o uso dos combustíveis renováveis deverá subir da atual fatia de 30% para 80% do setor de energia até 2050. Já as emissões mundiais de gases que provocam o efeito estufa devem ser reduzidas de 40 a 70% entre 2010 e 2050 e desaparecer até 2100.
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU também comentou os pontos principais do relatório. “Primeiro: a influência humana no sistema climático é clara e crescente. Segundo: temos que agir rapidamente e de forma decisiva se quisermos evitar resultados cada vez mais perturbadores. Terceiro: temos os meios para limitar a mudança climática e construir um futuro melhor.
O IPCC tentou tornar (o relatório) mais aceitável afirmando que os combustíveis fósseis podem continuar sendo usados se as emissões de carbono forem capturadas e guardadas. Mas, até agora o mundo apenas tem uma usina operante comercialmente deste tipo, no Canadá, e o progresso no desenvolvimento da tecnologia é muito mais lento do que muitos esperavam.
A conclusão do relatório, de que não podemos continuar queimando estes combustíveis como sempre fizemos e que a queima destes combustíveis deve ser suspensa até o fim do século, apresenta aos governos do mundo uma escolha difícil. Como convencer, por exemplo, os maiores exportadores de petróleo, bem como os países que dependem, essencialmente, da exploração do “ouro negro”? Como combinar com a China, maior poluidora mundial, que insiste em queimar carvão para produzir energia, embora também tenha sido o país que mais investe em fontes alternativas? Mais poluentes, as fontes sujas costumam ser mais baratas. Eis um dos dilemas dos nossos tempos.
O certo é que, segundo os cientistas, o mundo tem pouco tempo para conseguir manter o aumento global da temperatura abaixo do limite de 2ºC, a meta da comunidade internacional. A chance de que a alta dos termômetros alcance de 3 a 4 graus nas próximas décadas não é pequena. Algumas das consequências: inundações, secas, tempestades e furacões mais frequentes; migração forçada da populações ameaçadas; crise na produção de alimentos; perda da biodiversidade; poluição…
Entre o final de novembro e o início de dezembro, uma conferência da ONU sobre o clima que será realizada em Lima (Peru) terá a missão de estabelecer as bases para um acordo global de redução das emissões dos gases-estufa, que seria estabelecido em 2015, em Paris.
Os mais de 800 cientistas de todo o mundo que elaboraram o relatório do IPCC, depois de analisarem cerca de 30 mil publicações sobre o tema, já fizeram a parte deles. O bastão, como bem destacou Rajendra Pachauri, está com os governantes. Resta saber se eles deixarão de lado os velhos interesses pessoais.
Como trilha musical aos ouvidos desses mesmos governantes uma boa sugestão é Paciência, de Lenine, canção que questiona em um dos seus belos e intensos versos: Será que é tempo que nos falta pra perceber?/Será que temos esse tempo pra perder?/E quem quer saber? A vida é tão rara/tão rara…