“A vida se repete na estação

Tem gente que chega pra ficar

Tem gente que vai pra nunca mais

Tem gente que vem e quer voltar

Tem gente que vai e quer ficar

Tem gente que veio só olhar

Tem gente a sorrir e a chorar”

Milton Nascimento

 

A vida é passagem! A partir dessa afirmação categórica, inicio a reflexão de hoje que, deveras, começou há tempos. Em minha terceira década de existência, vou me apercebendo mais profundamente e, por vezes dolorosamente, acerca de como tudo é efêmero, passageiro, fugaz, brevíssimo segundo… Ainda “ontem”, era um menino pacato, como relata um amigo ao falar sobre mim, sem muitas responsabilidades e demandas. Hoje, já adulto, experimento outros lugares existenciais que me descentram de mim mesmo e continuam, ainda, a descentrar-me. Em alguns momentos, sinto-me criança, noutros adolescentes e, em tantos outros, um jovem ancião. São diferentes posições que experimento. Depende sempre da interação. Sua intensidade é também relativa.

Foto: Ana Cotta

Foto: Ana Cotta

Creio que a análise e o divã me colocaram em movimento. Já não sou mais o mesmo. A vida me fez assim, “caçador de mim”. Desde o ano de 2007, salvo engano, deparei-me com um analista que, em sua função, escutando-me, possibilitou-me ressignificações na vida. Não foram fáceis, confesso, mas foram necessárias para tornar-me o que sou! Essa semana, ao ler Rogers (psicólogo), me deparei com uma assertiva corroborada por ele que diz “Torna-te aquilo que és”! Em mim, houve um estranhamento inicial, mas depois fui mergulhando nos sentidos dessa frase.

Torno-me aquilo que sou, pensava, à medida que vou me permitindo ser, tirando das sombras aquilo que é meu e trazendo para a luz de meu self. A “sombra” não é necessariamente algo negativo, mas, talvez, tudo aquilo que negamos em nós mesmos. Ao negar, não tenho acesso ao manancial que somos. Nego também não apenas o suposto negativo, mas tudo aquilo que é, em mim, potência e que pode se traduzir em existência.

Somos uma grande construção. Nossa vida sempre começa em um tempo e lugar. Os nossos referenciais primeiros são marcantes, pois como, sabiamente, diz o senso comum “a primeira impressão é a que fica”. A partir das primeiras impressões de mundo, geralmente apresentadas pelos nossos pais ou por quem faz essa função, vamos nos orientando no tempo e espaço. São referenciais, norteamentos necessários… Mas, chega um tempo em que esses referenciais não mais respondem à complexidade da vida e, enquanto inventividades, vamos nos (re)construindo. Somos forçados a tal empreitada. A vida é isso, meus caros, construção, demolição e (re)construção. Apesar disso, sempre há ruínas que não são apagadas, pois sobre as mesmas edificamos nossos edifícios, moradas interiores… São, portanto, necessárias!

Ao olhar pra mim e para os que me são significativos, verifico que o tempo passa rápido, muito rápido…. Para alguns, como um trem na estação.  Para outros, tal como um metrô de última geração. Marcada por primaveras, verões, outonos e invernos é a nossa vida. Não sei em qual estação você se percebe neste instante. Talvez esteja vivendo uma mudança “climática” que só você pode dimensionar.

Foto: Maritè Toledo

Foto: Maritè Toledo

A vida é passagem, se repete, insiste e persiste. Também se inventa e (re)inventa e a música é ainda, a meu ver, um dos maiores instrumentos desveladores dos abismos e profundezas da experiência e alma humana.

Você já parou para pensar sobre isso? …

Tal como as flores que secam, é a nossa história, mas, apesar disso, há também dias quentes, outros frios e tantos outros marcados pelas suaves brisas. Quando o vento forte sopra, temos, muitas vezes, lugares para nos amparar e nos apoiar. Talvez nem todos tenham, mas como falo a partir do meu lugar na existência, tenho percebido que sim. Que bom ter lugares pra voltar, pois “melhor ainda é poder voltar quando eu quero”.

Como isto é revigorante! Voltar pra recomeçar… Chegar e partir…

A vida é uma estação, repito. Repito também para mim mesmo. Estação!!! Mas de qual estação estou falando, afinal? Observe que a significante estação é abertura para vários sentidos. A palavra só tem sentido quando há um sujeito lhe preenche de sentidos. A palavra é prenhe de significados! Ela é passível de fecundação. Fértil e fertilizante…

Como os sentidos são sempre singulares e têm a ver com a histórica de cada sujeito humano, situado num contexto, tempo e lugar, deixo em aberto pra que você, leitor ou leitora, faça suas associações, fecunde, cultive suas gestações e produza suas próprias (IN)conclusões tal como numa sessão de análise…