Sabemos que, antes de desenvolvermos a capacidade da fala e, consequentemente, de falar sobre nós mesmos, somos falados. Essa fala, numa perspectiva psicanalítica, é constituidora do sujeito humano, inserindo-o na ordem simbólica e na cultura. Bem antes do nascimento, já existem construções simbólicas, afetivas e políticas sobre os sujeitos que hão de advir. Eu, como todo animal humano, recortado pela linguagem que sou, passei por esse processo e até hoje experimento realidades que me parecem estranhas, mas que têm a ver com o que sou, parte de um Outro.
Pois bem, cara leitora (ou leitor). Durante toda a vida, portanto, vamos crescendo, ganhando novas dimensões identitárias, perdendo outras e, assim, re(encontrando) o eu que, não por acaso, é também construindo e constituindo por inúmeros determinantes de ordem social, psíquico, biológico, cultural, político e econômico. Dito de outra forma, somos produto de um longo percurso histórico que nos constituiu e que não se resume a nossa realidade imediata, pois também tem relação com aquelas humanas e humanos que nos antecederam, ou seja, a nossa ancestralidade. Sou, portanto, atravessado pelas questões que marcaram, outrora, a sociedade e que, ainda hoje, permanecem.
Para nos tornarmos o que somos é no “fio-a-fio e leva tempo, pois os que nos antecederam, ao fazer projetos para nós, querem a todo instante nos enquadrar na ordem estabelecida, Sendo assim, a vida é uma eterna tensão entre o que desejo ser e o que o outro, em especial, os mais próximos, querem de mim. Nesse sentido, crescer é perder, perder-se… Contudo há sempre ganhos nessa relação e um dos maiores é o encontro consigo mesmo, como a “pele que em nós habita.”
Lembro-me de uma fala de uma aluna que muito me marcou: “Todo fruto do conhecimento nos arranca de algum.” De quais paraísos tememos ser arrancados? O que perderemos? Quais serão os ganhos ao sair do paraíso. Diariamente, escolho sair do paraíso… Por vezes, permaneço nele… Esta é a vida… um eterno dentro e fora…
Refletindo sobre a nossa vida social, acredito verdadeiramente que uma sociedade opressora, alienante e desigual só tende a perder a riqueza que é a experiência humana em sua potencialidade e naquilo que há de mais singular e plural. Sendo assim, cabe aos que não se enquadram resistir em todos os espaços e momentos, pois o bonde da história deve ser por nós ocupado e o medo só nos impede de sermos o que somos e sendo, nos tornarmos luzeiros, referências, ícones.