A nossa primeira crítica será desenvolvida com o pensamento em um gênero irreverente no campo da produção cinematográfica: os filmes de terror. Por que essas obras fascinam algumas pessoas? O que há de interessantes em narrativas com banho de sangue e referências a atos de violência? É possível estabelecer uma relação crítica entre os filmes de terror e questões sociológicas?

Antes de adentrar nas respostas aos questionamentos, farei uma breve arqueologia desse gênero, para deixar alguns pontos mais amarrados. Outubro é um mês peculiar, haja vista a chegada do Halloween, uma festa estadunidense que ganhou ressonâncias e já se adequou aos mais variados contextos culturais ao redor do planeta. Você com certeza vai perceber que há vários filmes sobre espíritos malignos, assassinos em série, exorcistas, possessões, crimes bárbaros, fúria da natureza, dentre outros temas.

Foto: GreenLight Designs (Jordan Green)

Foto: GreenLight Designs (Jordan Green)

Os filmes de terror fazem parte do imaginário do cinema desde os primórdios desta modalidade artística. As primeiras produções eram adaptações de romances como Drácula e Frankenstein. De acordo com os principais manuais de cinema, a história desse gênero é divida em Primeira Era de Ouro do Terror, com os filmes de monstros da Universal. Foi uma era de vampiros, lobisomens, múmias, além de concomitante e posteriormente, a indústria ter investido bastante em filmes sobre zumbis, ataques alienígenas, etc.

A Segunda Era de Ouro do Terror é considerada por cineastas e especialistas da crítica como uma fase próspera, mas que também se esgotou rapidamente, tendo em mira a enxurrada de cópias e produções que se auto plagiavam: foi a época de Jason (Sexta-Feira 13) e Freddy (A Hora do Pesadelo), criaturas desprezíveis inspiradas no sucesso independente de Halloween, filme de terror considerado precursor desta onda de “produções sobre maníacos mascarados”.

Foi preciso esperar até 1995 para o gênero reinventar a sua fórmula. Pânico, série de sucesso responsável por influenciar as suas numerosas cópias (Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Lenda Urbana, Prova Final, Medo Em Cherry Falls) nos apresentou outro assassino em potencial: Ghostface, figura que diferente dos maníacos dos anos 1980, poderia ser qualquer um. Quatro filmes, vários assassinos por detrás da imagem assustadora, inspirada no quadro O Grito, do alemão Edward Munch.  

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Como nas fases anteriores, esse estilo de filme adentrou a fase de esgotamento e se perdeu, sendo sucedido pelas refilmagens de produções orientais (O Chamado, O Grito), narrativas sobre tortura (O Albergue, Jogos Mortais) e atualmente, possui uma vanguarda que também já alcançou a agonizante fase de esgotamento: o subgênero found-foutage. Esses filmes mergulham no mundo das mídias contemporâneas e tentam nos fazer mergulhar na realidade. São imagens de arquivo, de fitas e câmeras abandonadas em locais de massacre, material essencial para alimentar aos ávidos pela sociedade do espetáculo.

Cabe ressaltar que o processo de categorização e canonização dos filmes de terror é uma tarefa complicada, porque não significa que nos anos 1980, por exemplo, a indústria ter produzido apenas filmes ao estilo Sexta-Feira 13. Outros roteiros foram produzidos em momentos distintos e todos possuem o seu devido valor e significação para a compreensão da história deste gênero, do cinema em si e das nossas vidas, independente da qualidade técnica destas obras. Esses filmes são imagens que podem ser utilizadas como recurso de memória para fatos políticos e sociais de grande importância na história mundial “recente”.

Diante do exposto, vamos aos questionamentos lá do começo de nosso texto.

Por que essas narrativas causam fascínio em algumas pessoas?

Conforme aponta os cineastas do gênero, estes filmes são alegorias para os nossos medos. Nós assistimos em casa ou no cinema, seguros em nossas poltronas. Sabemos que o acontece dentro da tela fica por lá, serve como válvula de escape para as nossas ansiedades. É a namorada ou o namorado que agarra o braço do seu companheiro ao sentir medo, é o grito que expurga uma inquietude que nos acompanha desde criança.

O que há de interessante em narrativas com banho de sangue e atos de violência?

As alegorias. Isso importa e muito. Estamos acostumados a pensar o drama como a fonte ideal para se extrair elementos críticos. A seriedade do drama põe em xeque o dito riso fácil da comédia e a violência explícita dos filmes de terror. Salva as devidas proporções, geralmente os “intelectuais” mais puristas elevam o drama e esquecem as possibilidades destes outros gêneros. Esta questão é histórica e já nos acompanha há tempos no contexto das manifestações artísticas. Esse tópico nos leva ao último questionamento.

É possível estabelecer uma relação crítica entre os filmes de terror e questões sociológicas?

Sim. Observe o caso do filme O Massacre da Serra Elétrica, de 1974. A produção nos apresenta um grupo de jovens atravessando os Estados Unidos numa Kombi. Ao chegar no Texas, tentam abastecer o carro, mas não conseguem. Não há gasolina no posto. Assim, eles precisam adentrar no vilarejo mais próximo em busca de combustível e acabam sofrendo os piores horrores das suas vidas.

Basicamente, esta explanação nos apresenta um filme de terror banal, sobre uma família canibal que ataca um grupo de jovens com sadismo. Correto? Não, pois por detrás de tudo há uma trama de complexidades. O grupo chega ao Texas e não encontra gasolina porque os Estados Unidos passavam por uma crise neste setor. A OPEP, organização oriental responsável pela exportação de petróleo havia fechado as portas para os estadunidenses e uma crise se estabeleceu no campo da indústria do olimpo capitalista.

terror 2A família canibal surge como contra proposta das campanhas publicitárias que apresentavam o país como a terra das maravilhas e da felicidade. O escândalo do caso Watergate e a famigerada guerra no Vietnã mostravam que havia algo de errado.

Em 1968, o diretor George Romero reinventou os filmes de zumbis. A Noite dos Mortos Vivos se tornou um clássico, seguido dez anos depois de O Despertar dos Mortos. Aparentemente um filme de monstros comedores de carne humana. Mas será que é só isso mesmo? No filme, um grupo de sobreviventes vai parar um em shopping center, local utilizado para refúgio da multidão de mortos que os persegue.

Desprovidos de qualquer vestígio de humanidade, os zumbis do filme retém o impulso consumista como a última lembrança das suas respectivas vidas. O fetiche da mercadoria, termo cunhado por Karl Marx, perde o seu sentido neste filme, haja vista que os produtos exibidos nas prateleiras das lojas esvaziaram no que tange aos seus valores simbólicos, bem como o poder de atração, tornando-se apenas simples objetos. Os refugiados olham para as mercadorias sem a mesma intensidade da vida “normal” no cotidiano, e os zumbis (metáfora dos seres humanos atraídos pela ótica da cultura do consumo) representam bem o processo de massificação e nivelamento promovido pelo sistema capitalista.

Pânico e a sociedade do espetáculo; Sexta-Feira 13 e as relações de poder entre homens e mulheres, bem como os códigos sexuais e a virgindade como recurso para se manter ileso; Psicose e os códigos de censura nos anos 1960; Alien e outras tantas narrativas de monstros e invasões alienígenas como metáforas para as tensões da Guerra Fria e da bomba atômica. São alegorias presentes nestas narrativas que vão muito além da iniciativa de apenas assustar ou entreter. Seja um espectador mais crítico, tente aliar o entretenimento com a análise mais apurada, pois o espetáculo ganha maiores projeções se houver aproximação (para garantir a diversão) e o distanciamento (para garantir o senso crítico mais aguçado). Bons filmes para você.