O riscado da lancha cortava a Baía de Todos os Santos e encurtava a distância entre a capital baiana e a histórica igreja matriz do Santíssimo Sacramento, na bucólica e aprazível Ilha de Itaparica. O santuário, datado do final do século XVIII, é cercado de peculiaridades. À sombra do pé de oiti, no largo da rua Luiz da Gran, no centro antigo da ilha, o pitoresco Bar do Espanha, com seu amarelo e vermelho típicos dos castelhanos, e o insólito Restaurante Siri Bóia, além de um punhado de casebres de arquitetura ancestral, formavam a vizinhança do secular templo católico.
Do fundo a igreja, inaugurada em 1794 pelo padre Manoel Cerqueira Torres e reaberta há poucos dias, após um sombrio período de seis anos fechada devido à deterioração interna, Dona Lícia, na lucidez dos seus 72 anos de vida, “nascida e criada” no lugarejo, admira com olhar tenro a engenhoca montada em frente ao altar mor, para restauração da peça feita em ouro maciço: “Estou feliz com a reforma, pois graças a Deus a igreja está sendo restaurada. Era triste vê-la fechada”.
Atento a cada detalhe do lugar, o professor de história da localidade, Denílson Miguel, compartilha cada momento, bom ou ruim, passado neste território tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Quando a igreja fica fechada, piora o estado de conservação, por isso foi importante reabri-la. Ela foi construída em estilo Neo-Clássico, com traços de Barroco e Rococó”, explica. Além da parte religiosa, conta o professor, são realizados na igreja projetos sociais que envolvem música erudita.
Ele lembra ainda que o templo secular sofreu um roubo de 37 imagens sacras em 2007, com prejuízo avaliado pela Polícia Federal no valor de R$ 28 milhões: “Dano incalculável para a arte sacra e para nossa comunidade”.
As narrativas dos moradores de Itaparica e atenção à igreja patrimônio cultural da Bahia são movidas por uma recente intervenção no altar mor do templo, financiada com recursos da Petrobras – mais de R$ 195 mil.
“Estamos resgatando um patrimônio histórico e cultural para a comunidade de Itaparica”, afirma Darcles Andrade, gerente de Comunicação Institucional da Petrobras no Nordeste, em visita técnica para ver o andamento das obras de restauro.
“Constatamos que é uma verdadeira obra de arte o que esses profissionais da própria cidade de Itaparica estão fazendo, trabalhando nesta reforma. É uma obra brilhante, magnífica, pois é preciso buscar a originalidade das peças, é um trabalho artístico, que requer estudo da época, com a aplicação de técnicas modernas em meio à delicadeza dos profissionais que estão fazendo este restauro”, detalha o representante da estatal.
Padre André, responsável geral por toda a comunidade católica de Itaparica e Salinas das Margaridas, conta que tem comandado uma verdadeira luta da comunidade para conservação dos templos históricos da região. “As colunas do altar mor da igreja [do Santíssimo Sacramento] são de ouro maciço e foram cobertas por tinta de má qualidade, numa reforma feita anos atrás. Uma brutalidade com esse patrimônio religioso e cultural da Bahia, que agora está sendo restaurado”, destaca.
Como num grande atelier, as colunas de ouro estão sendo revitalizadas para resgatar o aspecto original, as peças de madeiras sendo conservadas, junto com todo acervo da arte sacra no local, por uma empresa formada por profissionais da ilha, contratada pelo Iphan.
Sorridente, mas coçando a cabeça demonstrando breve preocupação, o pároco da secular igreja de Itaparica, o sacerdote José Carlos, diz ser grato à Petrobras pela intervenção no altar mor, mas conta que há outros locais do templo que precisam de restauração: “Os arcos das portas, as marquises do coral suspenso…”! Ele fala que ainda faltam recursos para deixá-la totalmente restaurada – “uns R$ 4 milhões”, segundo levantamento feito por ele e profissionais da comunidade.
O padre, com projeto complementar debaixo do braço, dialoga com um deputado federal que atua na região do Recôncavo baiano, na esperança de garantir emenda parlamentar que viabilize a reforma completa da igreja.
Maragojipano, o representante do Congresso Nacional, deputado Luiz Alberto (PT/BA), indica que deve se reunir com a comunidade para traçar um plano de reparação integrante da igreja.
“Aqui é um exemplo de patrimônio cultural e religioso, uma igreja secular. Preservar esse patrimônio histórico brasileiro é um compromisso com o social, já que toda a comunidade é beneficiada, pois a igreja pode ser reaberta à visitação dos turistas e atividades religiosas”, conta.