Fotos: Bruno Concha/ Arquivo/ Secom PMS
Reportagem: Priscila Machado/ Secom PMS
Uma das características mais fortes da Lavagem de Itapuã é a participação maciça dos moradores do bairro, tanto na organização como na celebração, que também se destaca por ser uma das mais longas entre as demais festas religiosas e populares de Salvador. Este ano, a Festa de Itapuã, que costuma ser a última do calendário de festas populares da capital, antecedendo o Carnaval, será antecipada para a próxima quinta-feira (1º), na véspera da Festa de Iemanjá, que ocorrerá no dia seguinte no Rio Vermelho.
A celebração começa às 2h, antes mesmo de o dia clarear, com a saída do Bando Anunciador, uma orquestra de sopro que percorre as ruas de Itapuã, convidando os moradores. Logo, em seguida, às 5h, ocorre uma alvorada de fogos em pontos estratégicos do bairro e a Lavagem Nativa, lavagem das escadas e do pavimento de entrada da Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Itapuã, na Praça Dorival Caymmi, bem em frente à orla. Neste momento, os integrantes do Bando Anunciador formam um samba de roda em frente à igreja, com a participação das Ganhadeiras de Itapuã, grupo de mulheres que preservam a história e a cultura do bairro e da cidade por meio das cantigas de roda.
Logo após a Lavagem Nativa, por volta das 7h, é servido o café da manhã, tradição iniciada por D. Niçu e seguida por seus familiares. Ás 6h30, também ocorre a corrida do feijão, na orla, com percurso até Piatã e retorno ao ponto de partida. Logo em seguida, ocorre o desfile das Mulheres que Incentivam, grupo formado por mulheres que fazem a caminhada, saindo de Piatã em direção à Itapuã. Ao meio-dia ocorre a lavagem das escadas da paróquia, desta vez realizada pelas baianas. E a festa se estende por toda a tarde e início da noite com o desfile de diversas entidades culturais.
“A Festa de Itapuã é a única que é organizada e feita pelos moradores. Os grupos que desfilam são todos daqui. Temos dois blocos de mulheres: As Santinhas e Mulheres que incentivam, além das Ganhadeiras, que também participam. As baianas têm um papel muito importante. Todos os anos elas vêm por conta própria e por amor à festa. Outra diferença importante é que a festa aqui não cai com a passagem das horas. Aqui a festa começa 2h e, à tarde, quando os blocos estão desfilando, em vez de perder o ritmo, ela fica ainda mais animada. Então nós temos quase 24h de festa”, destacou Raimundo Bujão, integrante da Associação dos Moradores de Itapuã.
Para Celso D’Niçu, filho de D. Niçu e coordenador da Associação do bairro, a Festa de Itapuã é uma festa que precisa ser vivida. “É uma festa que não se descreve, mas, sim, que precisa ser vivida. A gente passa o ano inteiro pensando em como melhorar. A gente vive a festa durante os 365 dias. E é uma celebração com peculiaridades únicas. Por exemplo, você não vai encontrar em nenhum outro lugar as pessoas acordadas durante a madrugada para celebrar uma festa que está para acontecer. É algo que só acontece aqui no bairro”, acrescentou.
Diversão – Assim como a Lavagem do Bonfim e a Festa de Iemanjá têm a sua parte profana, momento mais dedicado à diversão, a Lavagem de Itapuã conta com o desfile de blocos e muita animação, que começa no finalzinho da manhã e se estende por toda a tarde. A festa já teve característica de um pré-carnaval com a presença de trios elétricos, veículos que só foram proibidos em 1999, segundo a Associação dos Moradores do bairro.
Este ano, mais de 35 blocos e entidades culturais irão desfilar, entre elas Mulheres que Incentivam, Baleia Rosa do Amor, Os Itapuanzeiros, o bloco afro Malê Debalê, Puxada Itapuãnzeira – que este ano fará uma homenagem aos 210 anos da Revolta de Itapuã – Bloco Jacutinga, As Santinhas e um minitrio com Tonho Matéria.
Homenagem – Desde 2011, a organização da festa resolveu homenagear duas pessoas do bairro todos os anos. No ano passado, foram homenageados o presidente de honra do Malê Debalê, Josélio de Araújo, e a atual ministra da cultura, Margareth Menezes. Este ano, estão sendo homenageados a baiana e ganhadeira Terêsa Conceição Santos, de 71 anos, e o diretor do Colégio Lomanto Júnior, Ricardo Monteiro, de 54 anos.
Emocionada, Terêsa Conceição se disse muito grata pela escolha. “Estou muito feliz por ter sido escolhida. Sou nativa de Itapuã, tenho 71 anos, nasci no dia 7 de setembro de 1952. Para mim, foi muito gratificante! Fiquei feliz por estar homenageando o bairro onde eu nasci, que amo muito, e representando os moradores daqui. É uma emoção muito grande”.
Há 32 anos, ela participa da festa. E desde que integra o grupo As Ganhadeiras de Itapuã, ela participa das duas lavagens, a Lavagem Nativa, às 5h, como ganhadeira, e a Lavagem feita pelas baianas, ao meio-dia.
“A lavagem de 5h é muito importante para mim, pois eu sou nascida e criada em Itapuã, tenho fé em Nossa Senhora da Conceição. Eu agradeço, faço meus pedidos, peço pela minha família. E a Lavagem de meio-dia para mim é só alegria. O mesmo pessoal que toca no bando anunciador com atabaque, pandeiro e outros instrumentos, arma um samba na frente igreja. As ganhadeiras sambam e quem está ao redor samba também e é só alegria”, conta.
Entidade – Ícone cultural da Lavagem, a Baleia Rosa do Amor foi revitalizada em 2003 para resgatar uma celebração que começou em 1987 com Waly Salomão e João Loureiro, com a participação de Gessy Gesse como primeira coordenadora. Os amigos criaram a Festa da Baleia, à época, em referência ao bairro ter sido um ponto de caça de baleia entre os séculos XVII e XIX. “A ideia era que a baleia viesse do mar para curtir o carnaval, sem que ninguém a matasse, e que depois de curtir o carnaval, ela voltasse para o mar na quarta-feira de cinzas”, conta o produtor cultural, Cristiano Loureiro, filho de João Loureiro e responsável pela revitalização do projeto.
Este ano, a Baleia Rosa do Amor vai homenagear Gessy Gesse, sétima esposa do poeta Vinicius de Moraes, e coordenadora da festa, quando tudo começou. “Nós saíremos de Placaford com a baleia, que foi ganhadora na Sapucaí, por volta das 10h. Gessy Gesse estará em um carro de palha e teremos a orquestra do maestro Reginaldo de Xangô com 40 músicos. A concentração será às 10h em Placaford e o ponto de chegada será na Rua Aristides Milton, também conhecido como Largo da Cira”, contou Loureiro.
Curiosidades – Segundo conta Nelson Cadena no Livro Festas Populares da Bahia Fé e Folia, a Lavagem de Itapuã teria começado com a devoção dos pescadores da praia de Itapuã a Nossa Senhora da Purificação, sem uma data definida, mas provavelmente em finais do século XIX. Até 1930, era um evento em homenagem a Nossa Senhora da Purificação, mas na década seguinte a referência tornou-se Nossa Senhora da Conceição de Itapuã e assim continua até os dias atuais.
A festa ocorria inicialmente no dia 2 de fevereiro, era também a festa da Mãe D’Água, com uma romaria feita pelos pescadores. Segundo o pesquisador, escritor e jornalista, a mais antiga referência encontrada à Festa de Itapuã foi no jornal A Coisa, edição de 30 de janeiro de 1898, que descrevia os divertimentos e custos mais em conta de passageiros das embarcações para o transporte do público até Itapuã, que à época ainda era um local de difícil acesso.
Ainda segundo Cadena, não se sabe por qual motivo, estabeleceu-se a data de 1906 como ponto de partida para a festa. Com isso, todos os anos é noticiado o que seria um tempo de duração da festa. Este ano, segundo este ponto de origem, a festa completa 119 anos.
O pesquisador destaca, ainda, como característica que a diferencia das demais, o fato de essa ser a única festa que conservou a tradição do Bando Anunciador, recomposto na década de 1980 e que desde então percorre de madrugada as ruas do bairro. O Bando Anunciador era muito presente nas festas tradicionais da Bahia, inclusive na Lavagem do Bonfim.
“O bando anunciador existia em todas as festas populares da Bahia, tanto nas festas religiosas como nas cívicas. O 2 de Julho tinha um bando anunciador. E ele foi desaparecendo e só ficou em Salvador, sendo recriado na Lavagem de Itapuã, e em Santo Amaro da Purificação, que recentemente reintroduziu esse rito, que sai de madrugada, acordando as pessoas da localidade, dizendo que a festa irá começar mais tarde”, contou Cadena.
Além da preservação do Bando Anunciador, o pesquisador destaca mais dois pontos fortes da festa: “Primeiro, a questão das Ganhadeiras, que foi algo que ganhou espaço na última década, apesar de elas existirem muito antes. Eram as mulheres que ganhavam o seu sustento no Século XIX vendendo peixe, eram trabalhadoras que vendiam peixe. Tanto que existem muitas cantigas antigas de ganhadeiras. E outra coisa que eu reparo muito na festa é que os participantes cultuam as tradições de família. Se você for na Festa de Itapuã, você verá um monte de crianças vestidas de baianinhas, que são as filhas e netas das baianas que lavam a igreja, e isso é importante, porque são as crianças que garantem o futuro e a continuidade da celebração”, concluiu.