Eita cheirinho de sertão… “O candeeiro se apagou, o sanfoneiro cochilou, a sanfona não parou e o forró continuou”… O velho Lua, sábio, outrora já alertara sobre a ancestralidade dos festejos juninos e transcendência do forró. O ritmo sobrevive ao tempo e, em pleno 2014, suscita uma discussão de múltiplas respostas: esse estilo musical, tipicamente nordestino, mudou? Forrozeiros e estudiosos divagam sobre a tradição, contemporaneidade e exclusividade do São João.
“O termo tradição traz um contexto de engessamento, como se o festejo não se renovasse. Eu defendo chamar de ‘ancestralidade’, pois dialoga o tempo inteiro com o passado e o presente”, analisa Alberto Freire, doutor em Cultura e autor do recém lançado livro ‘Culturas dos Sertões’, durante o evento “Prosa em Canto: Um papo animado sobre a tradição no São João”, na noite da quinta-feira, 05 de junho, no restaurante Grande Sertão, em Salvador.
Unânimes na defesa da tradição do São João e de uma grade “100% forró” nos festejos juninos dos interiores baianos, os conceituados forrozeiros Adelmário Coelho, Targino Gondim e Léo Macedo, da banda Estakazero, só divergem quando o assunto é a originalidade do ritmo forró. “Há vários forrós atualmente. Temos o estilo do Aviões do Forró, o de Adelmário Coelho, Mastruz com Leite e o som de um trio nordestino”, diz o vocalista do Estakazero.
Para Léo, não há problema nessa “mistura” de gêneros dentro do forró, só não concorda com a desfiguração do festejo junino do interior. “Há grades de shows em alguns interiores que você faz força para achar uma banda de forró. Tem tudo, sertanejo, pagode, axé, menos forró”, protesta.
Targino, com toda sua experiência forrozeira, é enfático: “Forró é forró. Quando me perguntam se eu faço ‘Pé de Serra’, digo que faço forró”. Com 20 anos de carreira, Adelmário fala que, não só na Bahia, mas no Nordeste, há uma mistura de ritmos no São João que chega a ser “desagradável”. “É preciso saber em que investir”, alerta o público formado por prefeitos, autoridades públicas, artistas e a imprensa baiana.
Investimentos
Um aporte financeiro de R$ 11 milhões para festejos juninos do Nordeste, este ano, foi anunciado por Darcles Andrade, gerente de Comunicação Institucional da Petrobras no Nordeste. “É fundamental criar mecanismos para manter viva a tradição dos festejos juninos, com a valorização dos artistas locais, comidas típicas, da música, buscando sempre o equilíbrio com os elementos mais modernos presentes hoje nessas festas”, afirma.
“Na Bahia, o São João tem uma importância econômica e cultural muito maior do que o Carnaval, considerada a maior festa de rua do planeta. Enquanto o Carnaval é focado apenas em Salvador, as festas juninas acontecem em todo o estado, até nos menores municípios”, defende Darcles. Serão 134 municípios baianos com festejos patrocinados pela estatal.
Além dos festejos na Bahia, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe contarão com a parceria da empresa, como informa o gerente da Petrobras.
Mulher garante tradição
A figura feminina, para os forrozeiros, é emblemática na manutenção da tradição junina. “Se eu morasse aqui pertinho, Nêga, todo dia eu vinha te ver…”, cantado esse sucesso, Targino Gondim recorda que é a canção que a mãe dela, de apelido ‘Nêga’, mais gostava de ouvir na voz do músico. “Minha Mãe, Dona Maria, é a responsável pela tradição junina na família, sempre com uma bela canjica”.
“Meu caminho não foi o interior, foi aqui em Salvador. Não tive oportunidade, a felicidade de cantar para meus pais – eles morreram antes que eu iniciasse minha carreira musical -, mas minha família está inserida nesta tradição, minha mulher é uma grande figura na manunteção dessas tradições culturais”, narra Adelmário Coelho, ao cantar a canção “Lápis de Cor”, do novo CD “Chá de Costa”: “A saudade faz parte de quem já amou, de quem ficou sozinho, de quem chorou baixinho, sem chamar atenção”.
“Jana, Jana, Jana, Jana, Jana, Janaína…”, recordando um dos antigos sucessos da Estakazero, Léo Macedo rememora que cresceu numa vivência do São João em família, no Arraial de Belém, distrito de Cachoeira, no Recôncavo. “Com meus primos, criamos a banda Colher de Pau, aí começou minha história”.