Sou do Rio Grande do Sul, moro na Bahia há dez anos e torço pelo Internacional. Tenho um milhão de imperfeições, no mínimo, mas o câncer do racismo não me deteriora – e o mesmo se aplica a maioria dos meus conterrâneos, inclusive aos torcedores do Grêmio. Aqui mesmo em Salvador, cidade mais negra do País, o preconceito racial é observado diariamente, seja nos restaurantes, shoppings ou mesmo nas ruas. Não é exclusividade do meu estado natal, como algumas opiniões, principalmente nas redes sociais, têm procurado explicitar. Defendo que os criminosos sejam punidos sempre.
Anteontem, o Internacional não jogou absolutamente nada contra o Bahia, em Porto Alegre, e acabou derrotado pelo placar de 2 a 0, o mesmo resultado que o Santos aplicou no Grêmio ontem, também na capital gaúcha.
Os jogadores do Bahia, a exemplo do goleiro Aranha, do Santos, também “fizeram cera” no segundo tempo, a fim de retardar o jogo, matar tempo e assegurar a vitória. Nesses casos (nada honestos), por mais que os torcedores adversários fiquem revoltados, cabe ao árbitro punir o atleta que pratica o antijogo com cartões, além de compensar com os minutos de acréscimos.
A grande diferença entre a quarta e a quinta-feira, foi no comportamento das torcidas de Inter e Grêmio. Não se viu colorado algum chamando os baianos de “macacos”, de forma pejorativa, racista, na tentativa de diminui-los como seres humanos. O que eu quero dizer com isso? Simples: o problema está em parte da torcida gremista, que aliás é reincidente. Há racistas em todos os setores da sociedade e em todas as torcidas. É um mal que precisa ser combatido e exemplarmente punido.
Historicamente, parte da torcida gremista dirige-se aos colorados (torcedores do Inter) como macacos. Frequentei o Beira-Rio durante muitos anos e sei do que estou falando. O mascote do Internacional é o saci-pererê, menino negro, de uma perna só, que enriquece o folclore nacional. O colorado foi também um dos primeiros clubes do futebol brasileiro a romper com o elitismo e o racismo, no início do século 20, incluindo os negros no time – daí vem a alcunha de o “Clube do Povo”, que tanto nos orgulha.
Quando utilizam expressões como “macaco” e “macacada”, o objetivo é tentar diminuir os torcedores do Inter como seres humanos, embora boa parte dos meus conhecidos gremistas procurem ao máximo naturalizar a questão, dizendo que é apenas “brincadeira”, que “faz parte do futebol”. Também não quero dizer com isso que não haja racistas na torcida do Internacional. Há em todos os setores da sociedade e em todas as torcidas. Alguns dos meus melhores amigos são gremistas, e não são racistas. Mas o mesmo não pode ser dito acerca de uma minoria que marca presença nos estádios e nas redes sociais, e se assume como tal, o que prejudica (e muito) a imagem do clube.
Neste ano mesmo, o zagueiro Paulão, do Inter, acusou torcedores do Grêmio de imitarem macacos na saída de campo do jogador – o Inter venceu o clássico por 2 a 1 na Arena. O tricolor gaúcho foi punido pela Justiça Desportiva, que determinou multa de R$ 80 mil, contudo, o advogado do clube conseguiu reduzir o valor para R$ 10 mil. Nenhum racista foi identificado e preso, embora o estádio seja extremamente moderno e repleto de câmeras.
Na noite desta quinta-feira, a vítima de racismo foi o goleiro Aranha. A imagem da câmera da ESPN é muito clara, e mostra uma “torcedora”, já identificada como Patrícia Moreira, insultando o jogador de macaco. A cena já corre o Brasil e o mundo, como não devia deixar de ser. Uma vergonha.
A imprensa já dá conta que a gremista foi afastada do trabalho – ela é auxiliar de saúde bucal da polícia militar gaúcha. Penso que ela deveria estar presa, uma vez que cometeu um crime, de acordo com as leis brasileiras. Deveria, no mínimo, prestar serviços comunitários, lavar chão, pagar cestas básicas, ser impedida de ir aos estádios. E caso o clube não colabore com as investigações, também precisa ser punido, seja com a exclusão da competição – como no caso do Esportivo, de Bento Gonçalves, cujos torcedores insultaram o árbitro Márcio Chagas também neste ano – ou com a perda de mandos de campo. Uma pena que os justos devam pagar pelos criminosos. Mas e a reincidência?
Recentemente, na Espanha, o torcedor que atirou uma banana em direção ao lateral Daniel Alves, do Barcelona, foi exemplarmente punido, e nunca mais poderá frequentar um estádio. É o mínimo que se espera para alguém que não sabe conviver com as diferenças, sejam elas étnicas, sociais ou de cor de pele.