…Ou… Eu sou uma escrava para você?! Eu, escrava!? Eu sou uma escrava?! Eu estou escrava…
Versarei hoje sobre um belíssimo e doloroso filme que retrata a história de luta de uma mulher pela liberdade, quando submetida à dita escravidão moderna. Gosto muito de, primeiramente, pensar sobre a etimologia das palavras, pois elas muito dizem e, o próprio senso comum, cotidianamente afirma: a palavra tem poder! Por isto, resolvi iniciar refletindo sobre as diferentes nomeações possíveis para este filme: Eu sou uma escrava para você?! Eu, escrava!? Eu sou uma escrava!? Ou eu estou escrava? Considero que esta última nomeação representa a posição subjetiva da personagem principal, Malia. Posição esta que lhe guiou na existência. Ela jamais esquecera seu principado!
Mudança na ordem das palavras, no contexto utilizado, na entonação ou na palavra dita traz impactos profundos e escondem saberes/poderes que merecem ser descortinados. Por isso, me pergunto: afinal, o que é ser escravo? Tenho alguma propriedade para falar sobre essa questão?
Segundo o site “consultório etimológico”, a origem da palavra seria “Do Latim SCLAVUS, ‘pessoa que é propriedade de outra’, de SLAVUS, ‘eslavo’, porque muitas pessoas desta etnia foram capturadas e escravizadas em outras épocas”. Já de acordo com o site Língua Estrangeira, “embora muitas pessoas associem a palavra ‘escravo’ à raça negra, a origem etimológica da palavra mostra que os escravos originais tinham a pele clara. O termo vem de slav, que designa um grupo étnico da Europa central e oriental que perdeu a liberdade depois que Carlos Magno tomou a região em que habitavam. A palavra original gerou ‘sclavus’ em latim medieval, que, por sua vez, deu origem a palavras semelhantes em várias línguas: slaveem inglês, esclavo em espanhol, esclave em francês e Sklave em alemão”.
Talvez, pensando na perspectiva pessoal e profissional, minha missão seja libertar libertando-me
Para além das questões etimológicas, que são polissêmicas, cabe pontuar que a experiência da escravidão nega por extremo a humanidade do outro e, em se tratando do presente filme, da menina mulher negra que foi tornada escrava. Aqui é necessário fazer o recorte de gênero e étnico-racial, pois desvela como a nossa sociedade patriarcal, machista e racista tem se estruturado ao longo do tempo. Variados movimentos sociais contra hegemônicos têm isto denunciado e anunciado transformações, pois não há denúncia sem anúncio, como frisou Freire!
Portanto, falar de vida em sociedade e das questões relativas à escravização de pessoas, no tempo presente, é recordar que todo fenômeno é recortado pelas relações de poder assimétricas entre os gêneros masculino e feminino e entre brancos e negros, não querendo aqui problematizar a discussão além gênero e etnia/racialidade, já que somos recortados por múltiplas identidades
O filme tocou-me profundamente. Aliás, todas as questões referentes às ditas minorias sociais me causam estranheza, familiaridade, pavor, revolta e desejo de mudança. Ou, como dizia pejorativamente meu pai: “tudo o que não presta você gosta!”. Sintam o peso da palavra!
Como afirma a Bíblia “A morte e a vida estão no poder da língua”! A escravidão começa, portanto, no reino das palavras!
Lembro que, na infância, ao assistir A Lista de Schindler, soluçava silenciosamente no sofá de casa à noite, me deparando pela primeira vez com o que há de mais belo e repugnante no ser humano. A beleza de quem arrumou um jeito de salvar outros humanos e a feiúra que era ver o que outros tantos humanos eram capazes de fazer. E aqui pontuo que não se trata de um comportamento patológico, mas atitudes diárias de outros semelhantes como nós que não reconheciam o outro como sujeito de direitos. E por falar em direitos, longos foram os anos para que hoje pudéssemos falar que somos sujeito de direitos.
…Corremos um sério risco de estarmos na condição de escravidão e esta é sutil, pois acontece de várias maneiras. A prisão pode ser bem familiar…
A pessoa em situação de escravização não é considerada sujeito de direitos, mas objeto de uso de alguém, como acima afirmamos. Ou, na fala de uma personagem: “Aqui você não é nada!”, “Você não existe sem mim”! Assisti esse filme reavivou em mim, em tempo de férias, o que considero como uma de minhas missões na vida presente: possibilitar ações que promovam libertações em mim e no outro. Rezam os direitos humanos que nascemos livres e iguais, mas em se tratando de nossa realidade, a depender do lugar em que nascermos, corremos um sério risco de estarmos na condição de escravidão e esta é sutil, pois acontece de várias maneiras. A prisão pode ser bem familiar…
Uma cena que também me marcou foi ver uma das personagens submetendo Malia que, por sinal, nunca se esqueceu de suas origens e de seus pais que foram quem lhe deu um lugar de honra na existência. E, ao ver esta cena, recordei-me do dito “somos vítimas algozes”. Quais papéis cotidianamente desempenhamos?
Parafraseando a música de Pitty “Admirável chip novo”, penso que Malia nunca esqueceu o seu lugar de sujeito e buscou, de todas as formas, reencontrar os seus reencontrando-se. Não assumiu passivamente a posição de muitos que prontamente dizem: “não senhor, sim, senhor.” Creio que, apesar das intempéries, ela sempre foi senhora de si. A despeito das dores e dos “cortes” sofridos, jamais abdicou de suas lembranças e de si mesma!
Talvez, pensando na perspectiva pessoal e profissional, minha missão seja libertar libertando-me, pois a força do coletivo é incomensurável. A mesma é capaz de ressignificar a história e mudar os rumos da vida. E sabe onde essa força está e de onde advém? Está em mim e você, pessoas comuns que reconhecemos que há sempre um sujeito!
E… mais ainda… parafraseando Pitty, em uma outra música: busquemos, dentro de nós, os nossos lares! Malia, nosso exemplo, jamais esqueceu da sentença Paterna: Você é uma princesa! Somos, querid@s, princesas! O Gênero é intencional…
Assista ao filme: