Em Gana, este espaço demonstra tradição histórica e força econômica do continente…
Cogumelos, escargot, peixes, grãos, mandiocas, bananas gigantes, temperos, verduras frescas, frutas, pães, carnes, flores, mobílias, roupas tradicionais e modernas, sapatos, produtos de beleza, tecidos, itens de papelaria, malas, espelhos, baldes, pratos, eletrônicos, livros: o que você imaginar você encontra do Mercado de Kumasi, o maior mercado de rua da África do Oeste. Localizado na cidade homônima é difícil saber onde ele começa e onde termina, dissipando-se com fluidez por todos os cantos da cidade. Sem fim e sem começo, o mercado ocupa ruas e bairros transcorrendo dentro e fora das casas.
Kejetia é o nome oficial do mercado que conta com mais de 10 mil lojas, bancas e barracas e que se expande por 12 hectares da segunda maior cidade de Gana. A sua história começa em 1922, quando os comerciantes da região construíram seus primeiros estandes sobre os trilhos da antiga estação de trem e a partir daí a estrutura foi abraçando a cidade. No entanto, sua imensidão é maior do que os números oficiais, uma vez que a parte sul do mercado faz fronteira com o centro comercial, formando uma agitada cornubação econômica. Ainda, nos subúrbios de Kumasi começaram a surgir mercados satélites, que acompanham e aumentam ainda mais a vibração de Kejetia.
As vendas começam às seis da manhã, mas antes que qualquer um dos 800 mil moradores da cidade chegue, os mercadores já estão lá ajustando os seus produtos, enfeitando suas barracas e deixando tudo pronto para acirrada competição de conquistar o cliente. O mercado é divido por seções e cada seção conta com uma vastidão de itens para predileção dos visitantes. As áreas de carnes, frutas e verduras, artesanatos, bens manufaturados e importados compõe um quebra-cabeça, formando um divertido e envolvente labirinto que transpira a vivacidade do dia a dia africano. Por essas e outras, Kejetia ganhou o apelido de “coração de Gana”, aquele responsável pelo batimento cardíaco do país.
O mercado de Kumasi é, no entanto, um espelho amplificado de uma das mais marcantes características do continente africano. Espalhados de norte a sul, os mercados tradicionais estão presentes seja vilarejos ou nos modernos centros urbanos. Eles são as responsáveis pela principal rede de comércio das cidades e pelo o abastecimento local, superando – em uso e em fluxo – a malha de supermercados. Nas feiras, comida fresca, orgânica, produtos de alimentação e de saúde tradicional, utensílios caseiros e outros milhares de itens do uso diário circulam entre os comerciantes locais e regionais, que com suas abundantes barracas, representam uma forte potência da economia regional.
No comando das vendas estão as mulheres. Kejetia é um exemplo da força feminina, que corresponde a 70% dos negócios do mercado. Dado que vale tanto para o comércio de Kumasi quanto para a estrutura geral de mercados na África. As mamas africanas têm recebido tanto das mídias como dos governos cada vez mais reconhecimento do poder e influência que exercem na economia de seus países. Por meio da boa gerência de suas vendas, as mulheres encontram uma medida de status, autonomia e solidariedade, desafiando estereótipos de gênero.
Além da crescente participação e empoderamento feminino, a importância do mercado é histórica. Onipresentes na África pré-colonial, eles traçaram um emblemático percurso no continente, se definindo como a primeira e mais efetiva forma do comércio desde o nascimento das primeiras comunidades africanas. Caracterizado pela liberdade econômica e pela coesão social e familiar como unidade empresarial, os mercados começaram como pontos de troca entre vilarejos e grupos étnicos e se estenderam como rotas comerciais e fonte de abastecimento de viajantes de longas distâncias, criando então uma economia intercontinental, que cruzava todo território africano.
Inicialmente, a nível local, o comércio era feito com os saldos dos recursos agrícolas, de caça e pesca. Em uma segunda fase, os produtos das atividades industriais foram introduzidos e itens de tecelagem, cerâmica, sal, remédios naturais, ouro, ferro, cobre, bronze, esculturas de madeiras, entre outros, passaram a fazer parte do menu. Nos vilarejos, o meio mais comum de negócio era a troca entre bens e mercadorias, enquanto em mercados maiores, pequenas conchas, os búzios, foram incorporadas como moedas em certas regiões enquanto barras de cobre e ferro, as manilas, em outras.
Os mercados, seus produtos e preços não eram controlados pelos governos, que se reservavam ao papel de criar um ambiente de paz para que a economia fluísse e florescesse. Os meios de produção eram de propriedade individual e os preços definidos ou pela lei de oferta e demanda ou pelo mais clássico modo africano, até hoje predominante: o poder de negociação. Assim como antigamente, hoje sai ganhando quem souber barganhar melhor. Seja no mercado de Kumasi ou nas feiras de vilarejos, os compradores e vendedores não têm pressa na negociação, que para eles, é quase uma brincadeira. Ganha o mais afiado ou o mais paciente. O gosto pela negociação é tanto, que não é atípico um vendedor ensinar o turista, inexperiente no negócio, sobre a arte de barganhar, afinal se é fácil demais, para eles a venda “não tem graça”.
Outra estrutura mantida dos antigos mercados é a sua estruturação e fluxo. Os mercados rurais, em vilarejos afastados de centros urbanos, acontecem em um determinado dia da semana, em que os moradores da região se deslocam para o local da feira em busca da venda ou compra de mercadorias. Em comunidades onde a agricultura de subsistência é a marca da economia, é possível encontrar o tradicional mercado de trocas, como em Togoville, no Togo ou no País Dogon, no Mali. Já nos meios urbanos, são muitos os mercados que funcionam diariamente e na maioria das vezes as cidades contam com um grande mercado central e dezenas de mercados locais, espalhados pelos bairros. Ainda assim, o mercado semanal também é corrente, caracterizado por um conglomerado de todos os comerciantes da região e vilas próximas, que viajam para o centro urbano para o comércio de seus produtos.
Vibrantes, agitados, coloridos, visitar um mercado de rua na África é uma ótima oportunidade para se perder entre as infinitas opções de produtos, sentir os cheiros dos temperos do continente, experimentar a culinária típica, descobrir frutas, legumes e grãos locais únicos e fazer um dos mais profundos mergulhos na cultura africana, e ao mesmo tempo, degustar da história, entendendo o passado e sondando seu elo com o futuro econômico do continente.