Nas terras soteropolitanas, a toda poderosa Fifa teve uma baixa: perdeu a quebra de braço para populares, no caso de Salvador, para as baianas de acarajé, que, unidas e tendo como trunfo a internet, conseguiram reverter o impedimento de venderem seus quitutes na Arena Fonte Nova, sede dos jogos da Copa 2014 na capital baiana. A recordação dessa história de vitória é reportada pela A Pública…

A PÚBLICA | Não faz muito tempo que a palavra de ordem “Não vai ter Copa” surgiu nas manifestações que denunciam os impactos sobre a população e questionam o legado da Copa do Mundo de 2014. Com outras faixas, como “Copa pra Quem?”, há três anos as organizações populares das 12 cidades-sede vêm denunciando as remoções de comunidades, questionando a construção de obras contrárias ao interesse público e reivindicando o direito da população de trabalhar em áreas sujeitas às exigências da Fifa. Protestos, abaixo-assinados e ações judiciais foram instrumentos capazes de trazer a vitória da população organizada em alguns desses casos – e essas conquistas talvez sejam o principal legado que a Copa deixará para o Brasil.

Baianas protestam em Salvador | Foto: Ninja

Baianas protestam em Salvador | Foto: Ninja

Em abril de 2013, cerca de cem baianas paramentadas tomaram a entrada da Arena Fonte Nova, em Salvador, durante a cerimônia de inauguração da arena, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, do governador da Bahia, Jaques Wagner, e do prefeito da capital baiana, ACM Neto. “Levamos tabuleiro, distribuímos acarajé de graça, 200 camisas do Vitória e do Bahia, e outras falando ‘A Fifa não quer acarajé na Copa’”, conta Rita Santos, presidente da  Associação das Baianas de Acarajé.

O protesto bem humorado foi motivado pelas normas da FIFA para a venda de alimentos nos estádios durante os jogos da Copa do Mundo que, na prática, impediam que as baianas vendessem o quitute tradicional, considerado patrimônio imaterial do Brasil. Além dos tabuleiros, as baianas traziam um abaixo-assinado com mais de 17 mil nomes. Foi a cartada final de uma campanha  de ‘advocacy’, um lobby do movimento popular, que envolveu contatos com políticos e uma estratégia de apoio da população que atraiu a atenção  – e a simpatia  – da imprensa nacional e internacional.

A carioca Rita Santos, mãe do goleiro Felipe, do Flamengo, gosta de contar a história que terminou com a vitória das baianas. Foi um jornalista que a preveniu de que as regras da FIFA para a venda de produtos nos estádios e em seu entorno exigiam uma licitação, de burocracia inalcançável para essas trabalhadoras autônomas. A resposta da FIFA: todas as lanchonetes poderiam vender acarajé desde que vencessem as licitações.

“A gente disse que não, que a gente não queria ser empregadas da empresa, queria trabalhar por conta própria, como sempre trabalhamos”, diz Rita. “A Dona Norma, a Solange, a Meirejane trabalham em todos os jogos. A Dona Norma trabalha lá há mais de 50 anos”, explica Rita. “Foi por causa dessas três que eu comecei a brigar”.

Rita, figura conhecida da imprensa baiana (afinal, é a associação que cuida de diversos cerimoniais do governo do Estado), passou a dar entrevistas criticando duramente a jogada da FIFA. “Eu já tinha ido conversar com o governador aqui, mandado emails para o ministro dos Esportes e para a FIFA, fui no Ministério Público e abri uma ação contra a FIFA…”

O movimento atraiu a atenção da equipe da Change.org., uma organização que promove petições on line em defesa de direitos que estava chegando ao Brasil. “Entramos em contato para ver se elas se interessavam em fazer um abaixo-assinado. Toparam na hora”, explica Graziela Tanaka, diretora de campanhas da Change. “Elas já são super organizadas politicamente, têm contato direto com as pessoas mais poderosas da Bahia. A gente ajudou na parte estratégica, buscando ver quem era o responsável da secretaria especial para a Copa em Salvador, fazer o contato com o Governo Federal”, Nos seis meses seguintes, a petição recolheu 17.728 assinaturas. “Aí o movimento deixou de ser local, começou a sair matéria em outros estados e outros países”, avalia Rita.

O abaixo-assinado foi entregue a um assessor do gabinete da Presidência da República durante a inauguração, quando as baianas foram convidadas de última hora a entrar no estádio. Pouco depois, Rita foi chamada pelo Secretário Especial para Assuntos da Copa: a FIFA tinha autorizado as baianas a trabalhar na Arena na Copa das Confederações.

Apesar de a vitória ter alcançado notoriedade internacional – afinal, foi uma das poucas vezes em que trabalhadores conseguiram mudar uma determinação direta da FIFA – Graziela lamenta que a entidade jamais tenha declarado publicamente ter mudado sua posição. “Eles não queriam dar a vitória como fruto de pressão popular”, diz Graziela.