O estado enfrenta dois desafios: erradicar os lixões até agosto desse ano e diminuir o desequilíbrio na cadeia produtiva do lixo, incluindo os catadores… 

O sol ainda era terno e o orvalho da manhã planava suave pela vegetação empoeirada do vai e vem de carros na estrada de chão que ligava o centro urbano dos arredores da Região Metropolitana de Salvador a um bucólico lugarejo, abrigo de um irregular descarte de lixo. O lixão, contudo, era a fonte de subsistência para um bocado de famílias que, ao ouvirem o barulho do motor da velha Kombi do Supermercado local, recheada de caixas de papelão, sobras meio apodrecidas do açougue e das sessões de frios e hortifruti, se alvoroçavam, felizes.

Seja no lixão de Juazeiro ou nos aterros da capital, os catadores têm papel importante, mas pouco reconhecido | Foto: Glauco Umbelino/Flickr

Seja no lixão de Juazeiro ou nos aterros da capital, os catadores têm papel importante, mas pouco reconhecido | Foto: Glauco Umbelino/Flickr

A narrativa inicial, baseada em uma história real e cotidiana de muita gente, revela dois dramas sociais que a Bahia tem vivido e que será obrigada a equacionar neste ano de 2014. De um lado o desequilíbrio na cadeia produtiva do lixo. O estado possui, hoje, 34.107 catadores de materiais recicláveis, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sendo que a maioria ganha menos de um salário mínimo.

Do outro lado, a Bahia tem agosto desse ano como último prazo para a erradicação dos lixões, seguindo uma determinação nacional feita pelo Governo Federal. No lugar, os 417 municípios baianos deverão construir aterros sanitários que estejam de acordo com as normas estabelecidas na legislação em vigor no país.

No centro desta celeuma, uma solução imediata e fácil pode equacionar o problema: a inclusão dos catadores no ciclo produtivo, tarefa desafiadora, mas que pode reduzir, segundo especialistas, os custos do poder público e minimizar os impactos dos lixões ao meio ambiente.

Lixo é rentável

“Não se enganem: a cadeia produtiva de resíduos sólidos movimenta bilhões de reais”, revela o promotor de Justiça, Marcelo Guedes, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do Meio Ambiente (Ceama). Segundo ele, falta mesmo é “vontade política e econômica”: “Hoje, o que acontece é que o filé fica com as grandes empresas, restando o osso para os catadores. Essa é a situação que precisa mudar”.

Com a Política estadual de Resíduos sólidos, a Bahia pode equacionar a desigual cadeia produtiva do lixo | Foto: ComoFaz/Flickr

Com a Política estadual de Resíduos Sólidos, a Bahia pode equacionar a desigual cadeia produtiva do lixo | Foto: ComoFaz/Flickr

João Paulo, coordenador nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), prefere destacar que o mais importante é o fato de o catador ter “tecnologia social” para se tornar protagonista no processo: “Nossa categoria merece respeito e precisa ser ouvida”. Ele apresenta propostas que podem “melhorar a vida da categoria”.

O coordenador do MNCR lista como reivindicações a necessidade de os municípios pagarem aos catadores como prestadores de serviço, a isenção de impostos para cooperativas de catadores, a remuneração do segmento pela efetiva redução de impactos ambientais e o fortalecimento e ampliação das cooperativas.

Erradicação dos lixões

“Eliminando os lixões, você está salvando sua vida e o planeta”. A provocação, em forma de convite para uma “força tarefa universal” em prol da sustentabilidade da Terra é o que clama a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Uma das metas deste documento estabelece agosto de 2014 como prazo final para o fim dos lixões em todo o Brasil.

 

Na Bahia ou em outras partes do Brasil, os lixões são o grave problema político-social | Foto: Memórias do PAC/Flickr

Na Bahia ou em outras partes do Brasil, os lixões são o grave problema político-social | Foto: Memórias do PAC/Flickr

Para Sérgio Tomich, diretor de Resíduos Sólidos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado (Sedur), o projeto de lei que a cria a Política Estadual de Resíduos Sólidos, aprovado no Legislativo baiano, deixa claro que os resíduos produzidos na Bahia devem ser aproveitados e reciclados e apenas os rejeitos devem ter disposição final.

A criação de consórcios é a saída, de acordo com o Governo da Bahia, para que os municípios baianos consigam cumprir o prazo final para o fim dos lixões, uma vez que o investimento para construir e gerenciar aterros sanitários é considerado “alto demais” para uma prefeitura assumir sozinha.

“Estamos fazendo primeiro um trabalho de conscientização. Mas, quando acabar o prazo, aí sim, vamos começar a abrir procedimentos em relação às omissões dos gestores”, afirma o promotor Marcelo Henrique Guimarães Guedes, da Coordenadoria de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual (MPE).

O presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), engenheiro Tadayuki Yoshimura, se diz preocupado com o ritmo de implantação dos aterros sanitários. Para ele, grande parte dos municípios brasileiros ainda não tem projetos específicos nessa área.

Política de Resíduos Sólidos

“Se os trabalhadores estivessem organizados em cooperativas com capacidade de vender diretamente para a indústria, a renda da categoria iria aumentar consideravelmente”, avalia André Paternostro, representante do Centro de Estudos Socioambientais Pangea. De acordo com ele, estado e municípios precisam viabilizar a atividade com a construção de galpões com equipamentos como esteira de triagem: “O catador tem capacidade de operar toda estrutura voltada para a coleta seletiva”.

Fábrica Termoverde produz energia a partir do aproveitamento do lixo | Foto: Carol Garcia/GovBA

Fábrica Termoverde produz energia a partir do aproveitamento do lixo | Foto: Carol Garcia/GovBA

A Bahia, inclusive, aprovou no final do ano passado a Política Estadual de Meio Ambiente e de Proteção à Biodiversidade, a Política Estadual de Saneamento Básico e a Política Estadual de Resíduos Sólidos (PERS). A nova legislação indica o gerenciamento dos resíduos sólidos na Bahia, de forma colaborativa entre os setores público, privado e cooperativas da sociedade civil. Entre as determinações está a proibição do lançamento de resíduos em praias e rios.