De origem humilde, preso, à líder mundial. O fundador de uma África Democrática, Nelson Mandela, promotor do uso da arma mais poderosa do mundo, a palavra, cumpriu sua missão. Ao morrer na quinta-feira, 05 de dezembro, aos 95 anos, Madiba, para os sul africanos, deixou uma mensagem planetária contra as desigualdades raciais e sociais.
“Em nome da lei, fui tratado como um criminoso. Não pelo que eu fiz, mas pelas coisas que defendi, por minha consciência”… Hoje, mesmo com problemas, o país que presidiu, sendo o primeiro negro a tal feito, a África do Sul, tem diminuído a falta de igualdade. Mas será que a mensagem de Mandela ecoou e frutificou em todo o mundo, sobretudo na Diáspora africana – aqueles países que receberam contingentes afrodescendentes, inclusive no triste período da escravatura?
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”, Nelson Mandela.
Dívida histórica
Eco que se torna uma verdade inconveniente, nos dias de hoje, em um país, o Brasil, que mesmo democrático, ainda que tenha posto fim na escravatura dos períodos coloniais (pré, durante e pós), com a população sendo maioria negra, ainda é desigual, ainda é racista (velada ou escancaradamente, como as redes sociais da web nos ajudam a desnudar com mais frequência).
O Brasil possui uma dívida histórica e inquestionável com o continente africano devido ao período da escravidão, tempo que mancha até hoje a constituição identitária e relações sociais no país – não pela vinda dos nossos ancestrais para cá, mas pela forma como foram trazidos e, depois, abandonados à própria sorte, com a tal “liberdade”.
A aproximação com a África é, de certo, estratégica, mas essa dívida é impagável, e isto vai além das acertadas políticas afirmativas de cotas. É transcendental, precisa alcançar mentes e corações. E, para tanto, é preciso sim ter uma consciência negra, para podermos falar de igualdade com a mesma propriedade do líder Nelson Mandela: “Promovi o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas possam viver em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver, mas, se necessário for, é um ideal para o qual estou preparado para morrer”.
“Um homem que tira a liberdade de outro homem é um prisioneiro do ódio, está preso atrás das grades do preconceito e da incapacidade de ver além… Os oprimidos e os opressores são privados de sua humanidade da mesma forma”, Mandela em trecho da sua autobiografia ‘Um longo caminho para a liberdade’, de 1994, escrita durante o período que esteve preso em Robben Island.
Novo olhar
O mundo tem descoberto a África, e a cada dia tem se apartado daquele olhar repleto de estereótipos, preconceitos (pré-conceitos!). Não, o continente africano não é uma ‘aldeia selvagem’, na qual só tem criança desnutrida, guerra civil, fome e miséria.
A África é território de desenvolvimento e, tendo Mandela como precursor deste novo olhar, o mundo começou a perceber as potencialidades do continente mãe (pra quem não sabe, o fóssil do ancestral humano mais antigo do planeta foi encontrado lá – uma mulher).
Talvez, neste momento de consternação por conta da morte do ícone da luta pela igualdade racial, uma reflexão que chega à tona não é aquela esvaziada, de que “não precisamos de uma consciência de cor”, mas sim o alerta para um olhar diferenciado sobre o continente africano e as relações que o Brasil e os países da Diáspora africana têm a nos revelar: a África tem potencialidade comercial e econômica gigantescos, possui o maior potencial de desenvolvimento do mundo.
Este novo olhar representa um marco histórico na relação entre Brasil, África e sua diáspora, mas extrapola também este contexto. Países que já perceberam isto estão investindo pesado em indústrias e na área empresarial naquele continente.
O Brasil não está de fora. Números da União Africana (UN) ajudam a contextualizar: Apenas a relação comercial entre Brasil e África cresceu 400% os últimos 10 anos. O renascimento da África, mais que uma meta de desenvolvimento para os próximos 50 anos, precisa ser tomado como um fio condutor mundial.
Afinal, nos ensinou Mandela com um dos seus lemas de vida: “Ter convicções fortes é o segredo para sobreviver às dificuldades”.
*Este texto é um Editorial
Nelson Mandela, o ex-presidente da África do Sul, morreu aos 95 anos em Pretória. Desde junho lutava contra uma infecção pulmonar. O anúncio oficial foi feito na quinta-feira, 05 de dezembro, pelo atual presidente daquele país, Jacob Zuma.