De olho no financiamento eleitoral, PMDB defende interesse das Teles no Marco Civil da Internet e se une à oposição para derrotar governo; projeto coletivo pode ficar desfigurado.

Veja a segunda parte da reportagem especial, do jornalista Felipe Seligman, para a Pública, sobre o tema

Molon: buscando consenso

PÚBLICA | O anteprojeto de lei chegou ao Congresso em 2011 e uma comissão especial foi montada para analisar o caso. Como relator foi escolhido o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), jovem professor de história que ganhou popularidade na comunidade católica carioca com um programa chamado “Deus é dez” e entrou para política com bandeiras ligadas aos direitos humanos.

Deputado Molon (PT-RJ)

Deputado Molon (PT-RJ), relator do Marco Civil, era um jovem professor de história que entrou para política com bandeiras ligadas aos direitos humanos. (Foto: Agência Brasil)

O assunto na época não estava entre as prioridades do governo Dilma Rousseff, ocupada em lidar com as primeiras dificuldades com sua base de apoio no Congresso. Molon decidiu continuar o diálogo com a sociedade e reabriu os debates, promovendo sete audiências públicas e seminários, que reuniu 62 palestrantes de dezenas de instituições das mais diversas áreas. As sugestões para o texto também vieram por meio de redes sociais como o Twitter.

“O que o Molon fez foi muito legal. Ele não abriu para a sociedade como se estivesse fazendo outro processo. Ele reconheceu o processo anterior e continuou a conversa”, diz Abramovay.

Desde o início, porém, o deputado percebeu que empresas de telecomunicação, com forte presença no Congresso, institucionalmente representadas pelo Sinditelebrasil, dirigido por Eduardo Levy – aquele da palestra para a bancada do PMDB – eram contra a elaboração de um projeto, ainda mais se ele defendesse a neutralidade da rede como princípio.

A neutralidade garante igualdade de acesso aos conteúdos da internet para todos os usuários, impedindo as teles de oferecer pacotes diferentes conforme o valor pago. O que as empresas querem é exatamente o oposto: poder cobrar por um serviço apenas de vídeo, ou apenas de texto, ou mesmo diferentes velocidades a depender do tipo de conteúdo acessado, estabelecendo preços diferentes. O argumento é que, ao possibilitar que o usuário escolha o pacote que quer, o serviço é prestado de forma mais barata e mais efetiva.

Consciente da oposição de interesses, Molon tentou construir um projeto que obtivesse o apoio dos mais diversos partidos, mesmo que isso significasse fazer algumas modificações. Para agradar o DEM e o PSDB, por exemplo, que continuavam a defender a questão criminal em aliança com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, inseriu um artigo que obriga os provedores de conteúdo a guardar por 6 meses todos os logs, registrando o que cada Endereço IP — identificação de cada computador em uma rede — acessou na Internet.

Isso que desagradou outros interlocutores. A guarda das informações, por exemplo, foi criticada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor): “há um problema a ser atacado no último relatório do Marco Civil. O artigo 16, que prevê a guarda obrigatória dos registros do que o usuário acessou na Internet, mesmo sem qualquer conduta suspeita, é uma afronta à privacidade. Essa obrigação reforma a postura de vigilância em massa que o Estado brasileiro deveria combater, não reproduzir”.

Além disso, especialistas afirmam que tal medida poderá inibir a existência de sites que permitem o vazamento de informações relevantes ao público, como faz a organização Wikileaks.

Molon diz que as críticas não têm fundamento. Segundo ele, as empresas que guardam o acesso aos sites não possuem forma de saber informações sobre determinados IPs — que só podem ser identificados pelos provedores de serviços (Teles). “A lei, no entanto, proíbe que um fale com outro, ou seja, quem tem a informação dos sites acessados não sabe quem os acessou e quem tem a informação sobre o usuário não sabe que o que ele acessa. A menos que tenha uma ordem judicial”, explica o deputado.

Efeito Snowden

Polêmicas à parte, o processo corria em ritmo lento na Câmara. A Internet ainda não estava na pauta do dia nem do governo, nem do Congresso. Só assuntos externos atraíam a atenção para essa discussão, como o vazamentos de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, em 2012, após uma invasão de seu computador, reforçando os que defendiam a criminalização do condutas na internet. Assim, a Lei Azeredo voltou tramitar. A mobilização contra ela persistiu e o deputado Paulo Teixeira apresentou uma versão substitutiva. O novo texto (Lei Carolina Dieckmann), que acabou sendo aprovado e já está em vigor, foi aprovado sem pelos menos 10 artigos que constavam na antiga lei, esvaziando exatamente os pontos que eram alvo de críticas.

Mas o fator que mudou definitivamente os rumos do Marco Civil ainda estava por vir. A partir de junho de 2013, o ex-agente da Agência de Segurança Nacional (NSA – sigla em inglês) dos Estados Unidos, Edward Snowden, passou a revelar, por intermédio do jornalista Glenn Greenwald, que mora no Rio de Janeiro, e da documentarista Laura Poitras, diversos documentos que demonstravam as dimensões espetaculares de um monitoramento cibernético ilegal promovido pelos americanos contra cidadãos, que também envolviam a quebra de privacidades de outros governos, entre eles do Brasil.

A papelada divulgada em outubro mostrava que a NSA monitorou ilegalmente e-mails de empresas brasileiras e de outros países, além de correspondências dos próprios chefes de Estado. Entre eles, Dilma Rousseff.

A presidente brasileira reagiu publicamente. Cancelou uma visita oficial que faria a Barack Obama e dias depois, na abertura da Assembleia Geral da ONU, fez um duro discurso, criticando a espionagem promovida pelos Estados Unidos e defendendo uma regulamentação internacional sobre o tema.

O Marco Civil ganhou relevância e o governo brasileiro passou a aspirar uma projeção internacional, liderando a regulamentação sobre o assunto. Ganhou um novo trunfo ao ver o Brasil ser escolhido como sede da Reunião Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet, marcada para os dias 23 e 24 de abril em São Paulo. A questão passou a ser o que mostrar no encontro que terá a participação de ministros de mais de 20 países, além de acadêmicos e representantes da sociedade civil, com o intuito de começar a construir essa regulamentação internacional.

A partir de outubro de 2013, o Marco Civil começou a tramitar em regime de urgência na Câmara a pedido da própria Dilma Rousseff, que passou a fazer exigências a Molon e realizar seguidos e longos encontros com ele no Palácio do Planalto. Um dos pedidos feitos por ela foi inserir no projeto um artigo que obrigasse os grandes provedores de conteúdo a construir data centers [central de dados] no Brasil, como uma forma de garantir a privacidade das informações que transitam por aqui.

A medida, um tanto polêmica, desagradou os provedores, como Google ou Facebook, e foi criticada inclusive por especialistas da área. Dificilmente será aprovada e já existe consenso dentro da Câmara de que seja analisada separadamente do texto principal.

Quem melhor explica a inconveniência da medida é o próprio Ronaldo Lemos: “Apesar de ser bem intencionada a medida é pouco eficaz e pode, além de encarecer a internet no Brasil, afastar grandes empresas do país. Um data center é como um grande armazém. Se ele está no meio de grandes rodovias, com várias pistas e muito tráfego, faz sentido construí-lo, mas se está em uma pequena estrada, o máximo que vai fazer é atrapalhar o trânsito”, diz. “Uma coisa é construir a infraestrutura de rede e atrair data centers para o Brasil, a outra é criar uma obrigação”.

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