Explosão das fotos coloridas foi excelente contra preconceitos — mas também pode ter servido a interesses comerciais e estudos de manipulação de informação. Na rede, somos cobaias de atores poderosos…
As redes sociais foram invadidas pelas cores do arco-íris, em comemoração à decisão da Suprema Corte dos EUA de legalizar o casamento igualitário, final do mês passado. As mais variadas imagens das sete cores foram usadas por milhões de pessoas no mundo todo, significando apoio e celebração à decisão dos EUA, mas também uma afirmação global contra o preconceito e a discriminação ligados à orientação sexual e de gênero.
A faísca para que o colorido se espalhasse como que por contágio parece ter vindo do Facebook. A ferramenta Celebrate Pride (celebre o orgulho), oferecida pela maior rede social do planeta, altera o avatar do usuário aplicando-lhe um filtro com as cores do arco-íris. Outras imagens com o mesmo tema foram utilizadas nos avatares sem o uso da ferramenta , mas a Celebrate Pride se sobressaiu, tornando-se a manifestação mais enfática. Até que um pesquisador do MIT* fez uma “brincadeira” e diversas revistas (uma das melhores matérias veio da The Atlantic) levantaram a pergunta: esse é mais um dos experimentos do Facebook sobre a psicologia da rede?
A dinâmica da polêmica do Caso Arco-Íris foi particularmente interessante. Primeiro surgiram pressões e acusações em cima dos usuários que não aderiram: não usar a imagem seria como não apoiar a luta de uma maneira geral e perder a oportunidade de fazer um enfrentamento político contra aqueles que pregam o ódio. Vieram as justificativas de que aquela seria uma lei dos EUA, as afirmações de que o Brasil já havia aprovado lei semelhante anos atrás e, mais tarde, a recusa em se tornar objeto de um experimento facebookiano. A tréplica, em geral, foi no sentido de apontar que o tempo todo estamos sendo alvo de experimentações, testes e captura de dados quando estamos nas redes sociais. Isso, inclusive, está no contrato de adesão que clicamos ao nos cadastrarmos nelas. A temperatura das acusações foi, claro, aumentando ao longo do debate.
Os dois lados têm suas razões e equívocos nas argumentações. De fato, as redes sociais se tornaram grandes plataformas de expressão de opinião na atualidade, sendo o tempo todo “sentidas” por políticos ao fazerem cálculos para satisfazerem suas bases eleitorais. Porém, categorizar o apoio ou rejeição ao casamento igualitário medindo-se apenas a adesão à campanha do Facebook é bastante primário.
Mas o mais interessante do caso fica muito além do mérito da questão específica das imagens coloridas Trata-se da grande assimetria que separa aqueles que controlam as redes sociais de seus meros usuários. Fala também dos perigos do ativismo político que se dedica cegamente à rede e mostra o quão vulneráveis à manipulação da informação nos tornamos. Afinal, experimentos do Facebook são uma realidade bem séria e distante da “conspiranoia” atribuída aqueles que lembram que os usuários são cobaias.
Embora não se possa afimar que Celebrate Pride tenha sido somente para uma experimentação, o Facebook não negou até o momento o interesse e o uso das informações produzidas durante o episódio. Uma das questões em alta, que interessam o Facebook, envolve avaliar como se dá o contágio de opiniões na rede. Vimos muito claramente que aqueles que não aderiram à campanha foram pressionados por seus “amigos” a emitirem algum sinal sobre o assunto. Mesmo quem não utilizou a ferramenta do Facebook foi levado a publicar algum tipo de justificativa ou um sinal de adesão à causa.
A dinâmica do contágio do Caso Arco-Íris vai além dos virais de gatinhos a que estamos acostumados. É um ativismo fácil para muitos, mas pode envolver risco para alguns. Quantos amigos aderindo à causa são necessários para que alguém, pertencente a uma comunidade religiosa em desacordo com a questão, sinta-se seguro para expressar sua opinião? Quantas pessoas, após a explosão de apoio ao arco-íris, sentiram-se seguras para alterarem sua orientação sexual no perfil do Facebook?
O caso é particularmente importante pois não foi um estudo localizado, amostral, com usuários selecionados, mas envolveu dados de toda a rede. Mas esqueçamos por um momento o assunto do momento, o casamento igualitário, para falarmos sobre essas pesquisas na rede em geral.
A importância desse tipo de pesquisa vai muito além dos óbvios interesses comerciais das empresas de tecnologia da informação. Envolve conhecimentos sobre dinâmica social e política, algo buscado pelas disciplinas científicas mas também de muito interesse das organizações militares.
A Guerra Fria popularizou o termo PsyOp, as Operações Psicológicas, um segmento militar dedicado a transmitir informações selecionadas a determinadas audiências (governos, movimentos, indivíduos), buscando influenciar suas motivações, emoções e razões objetivas. O interesse na pesquisa que embasa esse tipo de operação não acabou, muito pelo contrário, pois as investigações se tornaram mais fáceis. Um artigo, publicado em 2014 no The Guardian, fala sobre a Iniciativa de Pesquisa Minerva, um programa multimilionário do Departamento de Defesa dos EUA voltado às Ciências Sociais. Um dos projetos financiados dedica-se a entender a “dinâmica de mobilização e contágio de movimentos sociais”, tendo como estudo de caso, entre outros, os eventos do Egito e da Turquia.
Mesmo que pensemos somente em aplicações econômicas, a força daqueles que possuem o banco de dados da troca de informações de milhões de pessoas é totalmente desproporcional se comparada aos pesquisadores científicos que trabalham em instituições de pesquisa. De posse dessas informações é possível atuar informacionalmente na promoção de produtos e desejos, ou mesmo na prospecção de movimentos de mercado, obtendo lucros que vão além da mera venda de espaço publicitário a terceiros. E pior, no caso do Facebook que já se mostrou capaz de controlar a dinâmica das relações entre os usuários.
Enquanto uma serie de experimentos e pesquisas são desenvolvidos com essas diretrizes, os cientistas sociais no Brasil vêm sendo pressionados a submeterem suas pesquisas a comitês de ética bastante restritos, capazes de dificultar ou burocratizar a pesquisa pública, que já sofre com a falta de recursos. Embora os comitês de ética que disciplinem a pesquisa sejam algo obviamente importante e justo, as Ciências Sociais têm sido obrigadas a lidarem com normas importadas das ciências médicas. Nem ao menos a formação de um comitê de ética específico para as ciências humanas, reivindicação de entidades como a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), foi aceita pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, órgão do Conselho Nacional de Saúde e não do Ministério de Ciência e Tecnologia, como seria mais lógico (veja aqui documentos da ABA sobre o caso).
Já o consentimento para a pesquisa feita pelas redes sociais é dada em um simples clique, naqueles famigerados termos de adesão abusivos, exaustivamente criticados mas que todos aderimos para podermos nos comunicar no que se tornou a internet hoje. O conhecimento sobre a sociedade, produzido a partir da comunicação, esse patrimônio comum, é apropriado privadamente.
Tuitaços, troca de avatares, fitinhas e cores indicando adesão à causa x ou y já se provaram boas ferramentas de pressão social e política, úteis. Só é preciso ter claro que elas também estão disponíveis ao inimigo que, hoje, nas redes sociais privadas, escreve as regras do jogo e é o dono do tabuleiro.
*Por Rafael Evangelista/Outras Palavras
* Cesar A. Hidalgo, do MIT, mais tarde afirmaria que sua frase, “Isso é provavelmente um experimento do Facebook”, não passava de uma brincadeira. Chegou até mesmo a publicar um texto criticando o fato de sua hipótese chistosa ter sido lida como evidência de uma verdade. Mas o Facebook nunca afirmou que não usaria os dados em suas análises experimento e, como bem notou o Gizmodo, usou três vezes a palavra e ainda assim não negou o possível uso. A resposta do Facebook foi: “Este não foi um experimento ou teste, mas algo que permite às pessoas demonstrarem seu apoio à comunidade LGBTQ. Não vamos usar isso como forma de direcionar propaganda e o objetivo dessa ferramenta não foi conseguir informações sobre pessoas”.