Eis um filme que precisa ser descoberto pelo grande público. Lançado apenas em DVD no Brasil, a produção circula pela internet, através de downloads e encontra-se um pouco vaga no terreno da crítica, sendo analisada por um número pequeno de especialistas. Um erro, haja vista a dimensão reflexiva que nos leva, seja do ponto de vista do campo da educação, da experiência estética cinematográfica ou da importância para o terreno da filosofia.
No filme, Henry Barthes (Adrien Brody) é um professor de Ensino Médio que apesar de ter uma espécie de dom para a profissão, só ministra aulas como substituto, tendo em mira a necessidade de manter pouco vínculo afetivo com as pessoas. Ao ser convidado para dar aula em uma escola pública com professores desmotivados, alunos agressivos e funcionários desiludidos, Henry vai ter uma das experiências mais arrebatadoras da sua vida.
Mesmo que lhe custe muito, o professor que detesta vínculos afetivos percebe que é capaz de fazer uma reforma educacional, mesmo que isso lhe custe muito fisicamente e psicologicamente. Sendo assim, a narrativa vai nos apresentar, através de recursos narrativos similares aos da crônica, uma jornada de três semanas. Em sua rota, três personagens gravitam em torno dos dramas e celeumas de uma instituição em estado decrépito no que tange aos Direitos Humanos: uma professora (Christina Hendricks), uma estudante (Betty Kayne) e uma problemática garota de programa (Sami Gayle).
A professora é mais uma vítima do ambiente opressor. Violentada verbalmente por uma estudante, precisa se conter para que o ato verbal não se transforme em uma possível cicatriz oriunda de uma agressão física. A estudante representa o lado sádico das relações entre estudantes, o bullying nosso de cada dia, pois a garota, por ser acima do peso, sofre com os abusos dos colegas, dos pais e de si mesma, conjugando o verbo emagrecer ininterruptamente, além de ser vítima do “holocausto publicitário” que prega a beleza apenas na imagem das garotas magras e “descoladas”. A garota de programa, por sua vez, é o único arco fora do eixo escolar, pois o sofrimento da jovem o faz acolhe-la em sua residência.
Além de Henry, há outros personagens que merecem destaque: Mr. Charles Seadbolt (James Coan), um gestor que utiliza o humor para repreender as atitudes incorretas de alguns estudantes, mas anestesia-se diariamente com antidepressivos. A Dra. Doris Parker (Lucy Liu) é uma dedicada psicóloga que em determinada cena, perde o controle e agride verbalmente uma estudante. Nestes momentos, o filme nos mostra que por detrás das personagens desempenhadas no cotidiano escolar, há seres humanos com as suas fraquezas e incertezas diante de um sistema que tende a falhar constantemente.
A diretora Carol Dearden (Marcia Gay Harden) é apresentada como alguém que já foi referência por suas ideologias, mas precisou converter as suas realizações em números expressivos para os relatórios sobre os resultados alcançados. Ameaçada por seus superiores hierárquicos, a profissional precisa abdicar de seus ideais para conseguir manter pelo menos o emprego. Nada diferente do que encontramos em vários setores da área educacional.
Um dos tópicos mais interessantes quando associamos o filme ao cotidiano como professor, seja lá qual for a modalidade (Fundamental, Médio ou Superior), é a negligência dos pais e familiares ausentes, pessoas que transforma a escola numa espécie de reformatório, sem sequer compreender que o trabalho de formação educacional é edificado através do acompanhamento familiar.
Há um paralelo interessante com o conto A Queda da Casa de Usher, uma melancólica história onde não só os personagens morrem, mas o cenário dos acontecimentos também, num processo autodestrutivo similar ao patrimônio escolar em O Substituto. A narrativa fria e depressiva, tomada de uma sensação de mal-estar generalizado, torna-se metáfora tanto para o espaço cênico como para o perfil de Henry, um professor que é retrato de um homem estafado diante dos desafios diários, captado pela câmera nervosa que observa a caminho de casa, sentado no ônibus, observando o “estado das coisas” com tamanha apatia.
Mestre do impacto na seara literária, Edgar Allan Poe ofereceu um conto que nos apresenta o lado oculto da alma humana, bem como tormentos de uma existência decadente. Metáfora para o desfacelamento da estrutura familiar, o conto nos mostra uma ambiente em ruínas, tal como a situação da escola onde Henry desenvolve os seus trabalhos diários. Melhor metáfora, impossível.
A crise educacional aparece na trama como o prenúncio de algo maior: a crise das relações humanas. Em vários momentos a câmera bastante intrusiva capta professores, estudantes e familiares encarcerados em seus mundos particulares. Durante o desenvolvimento da narrativa, foi possível despertar dois ícones para associar ao processo reflexivo das imagens angustiantes apresentadas através da montagem eficiente: Paulo Freire e Pink Floyd.
“Ensinar tudo a todos”, apontou o educador, no “clássico” A Pedagogia do Oprimido. Para Freire, o processo de desumanização do estudante o faz ser visto como um receptáculo vazio a ser preenchido pelo professor. Na seara da música, Pink Floyd entoava em seu refrão que os estudantes não são “apenas um tijolo na parede”. Juntos, mesmo que salva as devidas proporções, a teoria pedagógica e a irreverente letra da canção constituem o foco de um só conflito: é preciso modificar os pilares da educação, caso ainda haja interesse em mudanças no futuro.
Com 97 minutos de duração, O Substituto é um filme de fortes emoções, indicado para aqueles que não acreditam que há sempre espaço para redenção. Dirigido por Tony Kaye, realizador que flertou com outros temas polêmicos, como o aborto e mais “recentemente”, o horror do neonazismo em A Outra História Americana. O roteiro, assinado por Carl Lund, não podia ter sido realizado por alguém mais indicado: ex-professor de escola pública, o criador do texto fílmico sabe exatamente em quais pontos nevrálgicos deve tocar. O resultado desta associação de talentos está na discussão contemporânea e “universal” sobre os caminhos do campo educacional.
À guisa de curiosidade, há outro filme com a mesma abordagem, entretanto, no formato documentário: Waiting for Superman, de Davis Guggenheim. Assim como O Substituto, a produção questiona os papeis dos estudantes, pais, professores e gestores escolares, traçando fortes críticas ao “No Child Left Behind”, programa educacional da era George W. Bush. No campo da cinematografia comparada, o filme nos remete à Magnólia, de Paul Thomas Anderson, outra viagem visceral no campo das relações humanas.
Ficha técnica
O Substituto (Deatchment – EUA – 2011).
Direção: Tony Kaye.
Roteiro: Carl Lund.
Elenco: Adrien Brody, Betty Kayne, Christina Hendricks, James Coan, Lucy Liu, Marcia Gay Harden, Sami Gayle.
Duração: 97 minutos