Era fim de tarde em Itapuã, mas o som que ecoava não era o “passar uma tarde em Itapuã”, clássico de Vinícius de Moraes, mas, sim, tantas outras canções que não agradavam meus ouvidos. Entretanto, lá estava eu, mais precisamente, na Lagoa do Abaeté, um dos ícones da metrópole soteropolitana. Após alguns anos, me (re)aproximava de um território dos tempos infantis e ainda possuidor de beleza, mas já profundamente marcado pelo descaso dos administradores públicos e, provavelmente, de muitos cidadãos comuns, visto que, por exemplo, neste mesmo local, ao ir ao banheiro, um homem adulto urinava no chão e se vangloriava pelo feito que realizava. Essa cena grotesca mostra, no mínimo, “nosso” grau de incivilidade travestido de revolta.

Podemos afirmar, então, que nossa (in)querida cidade ainda é marcada por diversas formas  de violência e uma delas é a patrimonial. De alguma forma, a agressividade nos atravessa enquanto seres humanos e a mesma pode, em alguns casos, se transformar em violência, principalmente quando o cenário é propício para isto.

A Lagoa do Abaeté. | Foto: Vitor D'Agnoluzzo

A Lagoa do Abaeté. | Foto: Vitor D’Agnoluzzo

Uns mais, outros menos, cada um de nós vai mediando a auto agressividade e a hetero-agressividade na cena cotidiana. Apesar disso, o Abaeté ainda nos possibilita contemplar a beleza da natureza ainda não deteriorada pelas relações citadinas.

Neste dia, ao ouvir o barulho dos sons que habitavam o cenário da resistente lagoa, dei-me conta de uma música que me saltou aos ouvidos e ao coração. Cabe pontuar aqui que a “batida do reggae”, para mim, é carregada de revolta, celebração e esperança.

Já acompanhado de minha comadre e afilhado, questionei: observe, Virgínia, como essa música é atual… Um trecho da canção de Edson Gomes dizia: “Tanta violência na cidade…” E continuava: “As pessoas se trancam em suas casas, pois não há segurança nas vias públicas. E nem mesmo a polícia pode impedir, às vezes a polícia entra no jogo”.

Apesar de conhecer esses versos, neste dia os mesmos me impactaram profundamente. Minha comadre ainda ressaltou: “Preto, lembre que essa era a realidade dele à época.. só que era apenas a realidade dos guetos, hoje não mais…”.

Chegávamos à conclusão que a violência de outrora atingia, talvez, exclusivamente, as periferias ou “favelas” de nossa cidade. A “orla” estava isenta dos efeitos e da responsabilidade pelo que ocorria. Entretanto, o que aconteceu? Com o passar dos tempos, a violência, produzida em tantos espaços, não mais se restringiu às periferias. Hoje, muito mais “interligados, plugados e conectados” somos todos sujeitos e objetos de nossas ações, vítimas e algozes; implicados naquilo que nos ocorre. Somos todos sujeitos!!! Sujeitos e assujeitados a esta cidade.

Hodiernamente, essa música é tema da vida de muitos soteropolitanos, ou como disse hoje uma mulher: está cada dia pior… A desigualdade que não nos afetava, acreditavam “inocentemente” alguns, bate às nossas portas e invade as nossas residências. A mídia, nesse cenário, ainda é um dos veículos de comunicação social que possibilita a reprodução acrítica do status quo, acobertando e encobrindo o que produz esses fenômenos que são multideterminados. Ela faz questão de colocar toques de terror, como se a realidade estivesse apenas próxima ao “circo dos horrores”. Dessa forma, não há esperança! Findou-se…

Ao falar sobre o tráfico, por exemplo, a “grande mídia”, ainda representante da “Casa grande”, afirma categoricamente – e por diversos dispositivos imagéticos, afetivos e situacionais – que o “problema do tráfico” localiza-se na periferia, não tendo nenhuma relação com o centro, ou com a “casa grande”. Nesta perspectiva, as periferias são como os adolescentes que são responsabilizados pela violência que nos abala, ou talvez como as drogas que são umas das grandes vilãs do pobre sujeito humano…

Diuturnamente, ao sabor do almoço, somos simbolicamente alimentados por ideias que reforçam a noção de que “pobres, negros, ou quase pretos favelados” são a causa do mal-estar contemporâneo e, em se tratando de nossas terras, isso significa que, para eliminar o elemento perigoso, é preciso ir às periferias soteropolitanas, para extirpar o câncer social…

E, aos poucos, vamos nos acostumando com esse enredo, pois, afinal de contas, o jornalismo lida com fatos e cabe a nós, cidadãos comuns, acreditar nesta verdade.

Tanta violência na cidade… São tantas… Lembro, então, que “às vezes a polícia entra no jogo…” Às vezes…