O relato de pais sobre o aparecimento e o desaparecimento “misterioso” de objetos no entorno da criança é bastante comum. Na mochila escolar do filho surgem canetinhas que não são dele; no bolso da calça, uma moeda de origem desconhecida; na caixa de brinquedos, um aviãozinho que ninguém sabe como pousou lá. Da mesma forma, não se acha na bolsa da mãe o tubo de balas, nem o troco da padaria. Do armário da cozinha as bolachinhas parecem ter criado asas e voado para bem longe…

Foto: Emerson Luiz de Miranda (editado por BnL)

Foto: Emerson Luiz de Miranda (editado por BnL)

Como é que isso veio parar aqui, ou, onde é que aquilo foi parar, são perguntas nem sempre seguidas de respostas convincentes. Por quê? Porque as crianças tentam explicar algo que elas não compreendem do ponto de vista da razão – é como se fizessem com as mãos o que o coração não é capaz de dizer. Por isso, mesmo que estas atitudes pareçam banais, é importante que o adulto intervenha.

Aos 2–3 anos, a criança vive a intensidade do se fazer ser. Mesmo não sendo dela, ela pode tomar um objeto como sendo seu. “É meu!” é uma tentativa de dizer: gostei disso, quero brincar com ele, tê-lo comigo. A intermediação do adulto é fundamental para ajudar a criança a reconhecer o que é dela e o que é do outro.

Por volta dos 4–5 anos, é esperado que a diferença entre “eu” e “outro” já esteja clara para a criança, permitindo com que ela compreenda o conceito de propriedade. Assim, se apossar do que não lhe pertence pode ser um teste para ver quais são as regras, quem está de olho nela, o que acontece quando ela pega o que não é seu. A ideia de que achado não é roubado pode começar a encantar os pequenos.

A partir dos 6-7 anos a criança costuma já ter boa noção das leis sociais. Furtar ganha significados como se sentir valorizado, importante, potente, ao mesmo tempo em que pode ser um pedido de limite, contenção. É nesta faixa etária que algumas crianças experimentam furtar nos supermercados, padarias, farmácias e afins. Mesmo que pareçam insignificantes, os furtos ou apropriações merecem atenção redobrada, não importando o valor real do objeto apossado.

Intervir diante de um furto ou apropriação da coisa achada não é fazer alarde chamando a criança de ladra, humilhando-a, ameaçando-a ou punindo-a. Se a criança pega um objeto que não lhe pertence, é preciso relembrá-la (brevemente) de algumas regras sociais e ajudá-la a encarar as consequências de seus atos, entre eles, o outro ficar sem seu objeto – portanto, a necessidade de devolver ao dono (ou lugar) o que não é seu.

Por mais que possamos, sob a ótica do desenvolvimento infantil, pincelar minimamente os significados do furto ou da apropriação de um objeto que não pertence à criança, estas atitudes podem ser entendidas como um pedido da criança de “ei, olhe para mim”. Tanto que elas fazem de tudo para que seu cuidador – em geral os pais – perceba que ela pegou algo que não era dela, de um chiclete que mastiga ao brinquedo de um amigo ou a cartela de adesivos da papelaria.

Ao se apropriar de um objeto que não lhe pertence – ainda que encontrado no meio do caminho – a criança pode, de alguma maneira, estar dizendo “estou pegando o que você já me deu, mas agora não está me dando mais”. Não se trata, aqui, do objeto material em si, mas de algo que ela, simbolicamente, sente que foi privada ou que lhe falta.

Isso explica muitas das situações em que uma criança, embora tenha tudo, precise pegar o que não é seu. Também, explica porque apenas repreender só “ajuda” a criança se sentir culpada e/ou envergonhada. Ignorar o ato é outra atitude que não leva à origem da questão. Ao contrário, serve de empurrãozinho para recorrência dos furtos e até a instalação futura de comportamento delinquente, uma vez que a criança vai repetir o ato na tentativa de comunicar o que está lhe faltando.

Quando uma criança se apropria do que não é seu ou comete pequenos furtos, mesmo que uma única vez, devemos estar dispostos a refletir sobre o que pode ter sido modificado no relacionamento entre a criança e seus cuidadores, para daí tentar fornecer o que de mais genuíno a criança precisa: cuidado, atenção, afeto e amor, ingredientes essenciais para qualquer vida saudável.

*EBC