É difícil encontrar alguém satisfeito com o transporte público de Salvador. O povo sofre com a demora nos pontos de ônibus da terceira maior cidade do Brasil, além de enfrentar coletivos lotados e linhas escassas. Os rodoviários, por sua vez, iniciaram uma greve na última segunda-feira, 26 de maio, na qual reivindicam reajuste salarial e redução da jornada de trabalho, entre outros pontos.
Levando-se em conta esse cenário, tem alguém contente? A resposta é sim. Pouca gente sabe, mas o sistema de transporte de Salvador está a venda por irrisórios R$ 7,36 ao dia/ônibus. Como isso é possível? A conta é feita pelo ativista dos direitos dos deficientes físicos da capital baiana, Joaquim Laranjeira. Primeiro, é preciso saber que a Prefeitura pretende receber os seguintes valores de outorga pelo sistema que será explorado pelos próximos 25 anos:
Área de operação:
- Subúrbio/Península: 35.478.000,00
- Miolo: 86.377,000,00
- Orla/Centro: 57.866,000,00
A soma de toda a outorga corresponde a R$ 179.721.000 e, dividida por 25 anos, totaliza R$ 7.188.840/ano. Esse valor, por sua vez, se dividido por 12 meses, é igual a R$ 599.070/mês, que, dividido ainda por 30 dias, chega a R$ 19.969/dia. Se dividirmos esse total pela frota atual de 2.714 ônibus, chega-se a apenas R$ 7,36 ao dia/ônibus. Ou seja, venderemos a exploração de todo o nosso sistema de transporte coletivo dentro de Salvador por menos de três tarifas (R$ 2,80 x 3 = R$8,40) e com direito a ser explorado pelas empresas por 25 anos!
O pagamento desse valor se dará nos próximos cinco anos, segundo as regras da concorrência. Nos 20 anos seguintes, as empresas operarão o sistema sem pagar mais nenhum tostão à Prefeitura. Apenas 20% será pago na assinatura do contrato e o restante em 60 vezes. Ou seja, a Prefeitura atual vende um sistema que será operacionalizado em mais de cinco gestões, mas o dinheiro ficará praticamente todo à disposição da gestão atual.
Edital de licitação
A apresentação do professor e técnico da Prefeitura, Francisco Ulisses, na qual ele cita em aula pública na Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), os dados de Joaquim Laranjeira, pode ser acessada com mais detalhes aqui. No link, está disponível também o edital de licitação da exploração do transporte coletivo em Salvador.
A própria licitação deveria ser pelo menor valor de tarifa e não pela maior outorga. Tem mais: existem instrumentos na Política Nacional de Mobilidade Urbana para subsidiar a tarifa, que não estão previstos nesta licitação, a exemplo do Artigo 23, que possibilita a aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte pela utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados modos, como o veículo individual motorizado, e reverter esse recurso como subsídio em prol da modicidade da tarifa do transporte público. Se esta possibilidade não estiver incluída já neste edital, estaremos dificultando ainda mais a implementação desse benefício nos próximos 25 anos.
A Constituição Federal, o Estatuto das Cidades e a Política Nacional da Mobilidade Urbana preveem a gestão democrática e o controle social nos processos de planejamento, fiscalização e avaliação de projetos, planos e programas.
Participação popular
A licitação do transporte coletivo em Salvador precisa garantir essa participação popular e, segundo Francisco Ulisses, já existe um projeto pronto, que já está sendo implantado aos poucos, a exemplo das linhas retiradas da Barra. A forma como esse processo tem ocorrido, no entanto, é autoritária e sem nenhuma participação popular.
Tal licitação prevê a exploração do serviço por 25 anos. É muito tempo para aprovar um modelo de funcionamento de sistema de ônibus. Pois se hoje o modelo pensado está de acordo com os parâmetros tecnológicos de nossa época, daqui a uma década ele poderá parecer extremamente arcaico. Precisamos que a licitação seja feita para um panorama mais curto, que nos traga a perspectiva necessária de inovação e atualização de todo o sistema de transporte coletivo da cidade.