Quantos pretextos nos colocamos todos os dias para não sermos bonitas? Por que esperamos que alguém nos diga que somos bonitas para nos considerarmos bonitas?
Desde que Lupita Nyong’o ganhou o Oscar [dia 02 de março – se você não sabe é porque, provavelmente, ainda não aterrissou da folia do Carnaval], ela tem se tornado a mais nova queridinha não só de Hollywood, mas também das redes sociais. Para bons entendedores, os dois minutos do seu discurso de agradecimento e a sua expressão de incredulidade, ao ser anunciada como a melhor atriz coadjuvante, revelaram que o trilhar dessa garota não foi fácil.
Naquela noite, imaginei, então, a dificuldade de uma jovem de origem queniana que nasceu no México “ter chegado lá”. Para além do significado de “ter chegado lá”, há de se considerar que não é todo dia que a Academia premia negros. Não é sempre que protagonizam filmes de grande produção. Não é comum serem reconhecidos, seja no cinema ou em qualquer outra profissão. Assim, imaginei que Lupita devia ter trilhado o difícil caminho do sucesso, fazendo mil testes de televisão, matriculando-se em escolas de teatro, carregando o portfólio para cima e para baixo ou, então, aguardando pacientemente ser obra do acaso incontrolável: estar na hora e no lugar certos para que um olheiro messias lhe concedesse um olhar mais atencioso.
Beleza negra
Ontem, dia 6, assisti a outro discurso dela, no Black Women in Hollywood (Mulheres Negras em Hollywood, em português), proferido três dias antes de sua premiação e descobri que o seu trilhar mais pesado foi vencer o seu complexo por ser negra. A sua cor, segundo ela, não lhe era querida, até que um dia viu uma jovem sul-sudanesa, Alek Wek, tão parecida com ela, ser aclamada pela sua beleza negra.
Assista ao discurso em inglês ou clique aqui para ler os trechos principais em português:
Por mais emocionada que fique com a sua superação, não deixo de ver um padrão um tanto triste na busca pela beleza e, sobretudo, por aceitação das mulheres: a garota que escreve a Lupita e ela própria apenas se reconheceram belas quando viram a potencialidade de serem aceitas pelo mundo. No final do conto de fadas, é feliz (e bonito) quem tiver o pé que cabe no sapatinho de cristal.
O mundo obtuso é quem dita o que é belo e o que não é. E aceitamos esse critério. Todos nós aceitamos: elas, eu, você, outros negros, outras mulheres, outros homens. Passamos frenética e automaticamente selecionando quem é bonito e quem não é, e o mais perverso é que também nos colocamos na caixa do bonito ou na do feio.
A verdade é que Lupita e Alek são exceções; nem todas se transformarão em top models ou atrizes de Hollywood. Serão elas secretárias, professoras, domésticas, vendedoras, jornalistas, donas de casa, estudantes, advogadas, engenheiras. A elas, quem dirá que é bonito ser da cor da noite? A elas quem dirá que é bonito ser simplesmente uma mulher?
Lupita colocava a sua cor como empecilho não apenas para se considerar bonita, mas também para trilhar o seu caminho e superar os desafios que temia. Apenas anos mais tarde, ela entendeu o alerta de sua mãe: “Você não pode se alimentar de beleza”. Quantos pretextos nos colocamos todos os dias para não sermos bonitas? Por que esperamos que alguém nos diga que somos bonitas para nos considerarmos bonitas?
*Repórter Brasil/Por Natália Suzuki, coordenadora do programa de educação Escravo, Nem Pensar!